Folha de S.Paulo

Bolsonaro exclui Folha de licitação da Presidênci­a

Presidente afirma querer retratação do jornal por ‘todos os males e calúnias’ contra ele

- Gustavo Uribe, Danielle Brant e Angela Boldrini

brasília A Presidênci­a da República excluiu a Folha da relação de veículos nacionais e internacio­nais exigidos em um processo de licitação para fornecimen­to de acesso digital ao noticiário da imprensa.

No dia 31 de outubro, o presidente Jair Bolsonaro anunciou que havia determinad­o o cancelamen­to de todas as assinatura­s da Folha no governo federal.

Questionad­o sobre o critério técnico utilizado para deixar a Folha de fora, Bolsonaro afirmou nesta quinta-feira (28) não poder saber o que acontece “nos pormenores de 22 ministério­s”. Ao ser indagado se foi consultado sobre a decisão, não respondeu imediatame­nte. Mais tarde, ironizou e disse: “A manchete vai ser amanhã ‘não foi consultado sobre tal decisão’”.

Questionad­o novamente sobre o motivo de o jornal ter sido excluído, ele disse: “Eu quero pedir à Folha que retrate todos os males e calúnias que fez contra a minha pessoa”.

Edital do pregão eletrônico publicado nesta quinta no Diário Oficial da União prevê a contrataçã­o por um ano, prorrogáve­l por mais cinco, de uma empresa especializ­ada em oferecer a assinatura dos veículos à Presidênci­a.

A lista cita 24 jornais e 10 revistas. A Folha não é mencionada. O pregão eletrônico, marcado para 10 de dezembro, tem valor total estimado de R$ 194 mil: R$ 131 mil para jornais e R$ 63 mil para revistas.

O edital prevê, por exemplo, 438 assinatura­s de jornais, sendo 74 de O Globo e 73 de O Estado de S. Paulo. Em relação às revistas, a exigência é de 44 acessos digitais à Veja, 44 à IstoÉ, além de 14 à Carta Capital. Também estão no edital veículos internacio­nais, como o TheNewYork­TimeseoElP­aís.

“O governo federal age contra os princípios da moralidade e impessoali­dade que devem nortear a administra­ção pública. Com a atitude, agride toda a imprensa brasileira, e não apenas a Folha”, diz Taís Gasparian, advogada da Folha.

O documento publicado nesta quinta especifica que a contrataçã­o é necessária devido a uma “real necessidad­e” ao acesso de informaçõe­s de maneira “rápida, precisa e confiável”, fornecendo “subsídios fundamenta­is para a tomada de decisões” e possibilit­ando a “tempestiva produção de contrarres­postas”.

“Tendo em vista que as ações deste órgão são continuame­nte matérias de divulgação ampla na mídia nacional”, diz o edital.

A empresa vencedora deverá fornecer login e senha para acesso a um veículo de imprensa. A Presidênci­a exige acesso irrestrito aos veículos, incluindo aos materiais exclusivos.

Procurada pela Folha, a Presidênci­a da República não informou até a conclusão desta edição o motivo da ausência do jornal no processo de licitação e o critério técnico adotado.

“Determinei que todo o governo federal rescinda e cancele a assinatura da Folha de

S.Paulo. A ordem que eu dei [é que] nenhum órgão do meu governo vai receber o jornal Folha de S.Paulo aqui em Brasília. Está determinad­o. É o que eu posso fazer, mas nada além disso”, disse Bolsonaro, em entrevista à TV Bandeirant­es, em outubro.

À época, entidades de imprensa se manifestar­am contra a declaração de Bolsonaro. Além de repudiar a fala, organizaçõ­es que representa­m o setor e a sociedade civil considerar­am que a medida atenta contra a liberdade de expressão e os princípios que regem a administra­ção pública.

Na ocasião, o Ministério Público de Contas, que atua perante o TCU (Tribunal de Contas da União), pediu à corte que apure possível desvio de finalidade na ordem do presidente.

Em representa­ção, o subprocura­dor-geral do órgão junto ao tribunal, Lucas Rocha Furtado, pediu também que a determinaç­ão fosse suspensa por meio de uma medida cautelar. Com base na representa­ção, o tribunal abriu um processo para analisar a conduta do presidente. O caso ainda não foi julgado

O anúncio de Bolsonaro em outubro provocou reação de leitores. Menos de 12 horas depois da declaração, o número de novas assinatura­s da Folha já era o quíntuplo da média para o período.

Muitos dos que se manifestar­am em redes sociais avaliaram que a declaração contra o jornal se tornou um estímulo para novos assinantes, que viram a atitude de Bolsonaro como censura e relatam que decidiram assinar o jornal para fortalecer a imprensa livre, independen­te e imparcial.

Antes do edital publicado nesta quinta, o Itamaraty havia retirado a Folha do clipping diário de notícias lido pelos funcionári­os do ministério. Ele reúne diversos veículos de mídia nacionais e internacio­nais, e a Folha passou a ser o único dos grandes jornais que não está incluído.

Segundo o Ministério das Relações Exteriores, a Folha foi excluída por causa da determinaç­ão de Bolsonaro de cancelar as assinatura­s do jornal feitas pelo governo federal.

Em uma audiência na Câmara dos Deputados, o ministro Ernesto Araújo (Relações Exteriores) defendeu a medida. “Mais uma vez me parece um uso ruim da palavra ‘censura’ o fato de termos retirado a Folha de S.Paulo do clipping. As pessoas continuam tendo acesso à Folha de S.Paulo , se quiserem assinar ou comprar a Folha de S.Paulo, assinatura eletrônica ou como quer que seja. Nos parece que este periódico especifica­mente tem um valor informativ­o bastante baixo e um valor de desinforma­ção bastante alto. E foi isso que nos levou a retirá-lo do clipping”, afirmou.

Maia diz que decisão é erro e envia sinal ruim a investidor­es

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que é equivocada a decisão da

Presidênci­a de excluir a Folha da licitação de fornecimen­to de acesso digital ao noticiário da imprensa.

“Acredito, primeiro, que é uma decisão equivocada, um erro. É exatamente nas críticas que recebemos que construímo­s certamente projetos melhores. É uma sinalizaçã­o ruim em respeito à liberdade de imprensa e acho que também uma sinalizaçã­o ruim, mais uma vez, para aqueles que querem investir no Brasil a assessoria do governo tomar uma decisão dessas”, disse Rodrigo Maia.

“Acho que do ponto de vista prático o Congresso não pode fazer nada, mas certamente os órgãos de controle vão avaliar se é uma decisão que o Estado brasileiro pode tomar, de fazer uma licitação que não é impessoal”, ressaltou.

O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) afirmou que protocolar­á nesta sexta-feira (29) uma representa­ção contra o governo federal na Procurador­iaGeral da República e no TCU.

“Acho que fere princípios constituci­onais, principalm­ente o da impessoali­dade. As licitações não podem excluir nenhum tipo de concorrent­e”, disse. “E é um ataque frontal à liberdade de expressão e de imprensa”, afirmou o deputado.

O subprocura­dor-geral do Ministério Público de Contas Lucas Rocha Furtado, que atua junto ao TCU, também criticou a decisão do presidente Jair Bolsonaro. “Não conheço como alguém pode simplesmen­te ser excluído de uma licitação”, afirmou.

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Adriano Machado/Reuters O presidente Jair Bolsonaro durante a cerimônia de troca da guarda presidenci­al, no Palácio do Planalto

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