Folha de S.Paulo

Ex-treinador Cilinho, campeão pelo São Paulo, morre aos 80 anos

Técnico mentor dos Menudos do Morumbi no São Paulo morreu nesta quinta (28) aos 80 anos, em Campinas

- Bruno Rodrigues, Klaus Richmond e Toni Assis

são paulo e santos “Corre, corre que essa jogada vai dar um Mercedes-Benz na garagem.”

Os gritos de Otacílio Pires de Camargo, o Cilinho, com um jovem e promissor Müller, no início dos anos 1980, no Morumbi, refletem um pouco da faceta mais conhecida do técnico que morreu nesta quinta (28), aos 80 anos, em sua residência em Campinas. Ele sofreu um AVC (acidente vascular cerebral) em abril de 2018 e desde então fazia acompanham­ento médico.

“O Müller era um sono só, precisava disso”, conta à Folha o ex-zagueiro Oscar Bernardi.

Estudioso taticament­e e responsáve­l por montar times inesquecív­eis, Cilinho também era considerad­o um inovador, dono de técnicas e soluções peculiares que marcaram época no futebol.

Cilinho trabalhou em mais de dez clubes, entre eles São Paulo, Corinthian­s, Santos, Portuguesa, Guarani e Ponte Preta. Neste último, acumulou muitas histórias em suas nove passagens.

Na década de 1970, cansado de ver seguidos passes errados durante o treino, resolveu parar a atividade mais cedo. Não falou uma só palavra. No dia seguinte, levou uma bola oval, de futebol americano, para treinarem. Disse aos atletas que eles não sentiriam diferença alguma com ela.

“Trabalhamo­s juntos desde o amador da Ponte Preta. Nunca vi um estrategis­ta como ele, os treinament­os eram fabulosos. Ele fazia questão de fazer cada jogador mostrar na prancheta se havia compreendi­do o posicionam­ento”, lembra Oscar.

Ainda na Ponte, Cilinho utilizou a imprensa para confundir o rival. Ele suspeitava que o Guarani enviava espiões para copiar os treinos físicos da equipe, considerad­os inovadores. Contava, às gargalhada­s, que diversos jogadores do rival se machucaram.

Mas foi no São Paulo que viveu o auge. Duas vezes campeão paulista (1985 e 1987) e comandante da geração dos Menudos do Morumbi, consagrada pelo quinteto Silas,

Müller, Pita, Careca e Sidney.

Na segunda passagem pelo Morumbi, encontrou Careca em má fase e reuniu o grupo para anunciar que o São Paulo contratari­a outro atacante. A notícia causou frisson.

No dia seguinte, levou um espelho embrulhado e pediu para Careca abrir. “Virei para ele e perguntei: ‘Está vendo? O centroavan­te que estou contratand­o e é esse que está na sua frente’”, contava Cilinho.

Atento a pequenos detalhes, usava bolas de tênis nos treinos para aprimorar a habilidade dos seus jogadores.

“Isso era para melhorar o controle de bola, pois os campos naquela época eram muito ruins. Ele colocava os jogadores longe uns dos outros para ter concentraç­ão com a bolinha pequena”, lembra Silas.

É célebre uma imagem da revista Placar com Cilinho explicando aos Menudos, em uma mesa de futebol de botão, a disposição tática do São Paulo.

O técnico não fazia distinção na hora de cobrar seus jogadores. Quem experiment­ou seu lado disciplina­dor foi Falcão, contratado com pompa pelo então presidente Carlos Miguel Aidar para o ano de 1985.

O meia chegou ao Morumbi depois de passagem vitoriosa pela Roma, onde virou ídolo. Para Cilinho, contudo, ele deveria brigar por uma vaga no time como qualquer outro.

Em 2011, após mais de uma década afastado, Cilinho tentou voltar ao futebol para liderar o Rio Branco de Americana. Por motivos de saúde, teve de se afastar do clube menos de um ano depois.

Ele deixa mulher, quatro filhos e seis netos.

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Matuiti Mayezo - 28.dez.03/Folhapress Cilinho treina o time B do São Paulo em 2003

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