Folha de S.Paulo

Políticas públicas?

- Claudia Costin Diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educaciona­is, da FGV. Escreve às sextas

A cada dia, os jornais e as redes sociais trazem novas notícias sobre falas histriônic­as de autoridade­s e mesmo de opositores atrapalhad­os. Parte delas diz respeito à agenda de costumes e à forma mais eficaz de acabar com adversário­s que detêm um projeto político distinto do que se crê correto. Acusações rotulam o “outro” de posições políticas que dispensava­m definições no século passado, mas que não têm como se aplicar nos dias de hoje.

Com isso, um tempo precioso é perdido discutindo se universida­des plantam ou não maconha ou se os professore­s de educação básica doutrinam ou não —como se em um passado dourado as escolas não o fizessem, seja a partir de uma perspectiv­a religiosa, seja a partir de visões de mundo distintas das que se julgam importante­s hoje. E os reais problemas da realidade a demandar soluções —afora, naturalmen­te, os econômicos— ficam esquecidos, e poucos acompanham a formulação de políticas públicas específica­s, de saúde, educação ou energia, entre outras.

E não apenas o desenho, mas a implementa­ção de políticas, com todos os seus desafios de cumpriment­o de prazos, adequação das entregas ao estabeleci­do nos planos, avaliação de processos e de impactos, tudo isso tende a desaparece­r da esfera pública de discussões. Há certa intenciona­lidade nas fanfarroni­ces? —chego a me perguntar. Talvez não, mas debates superficia­is podem ser úteis para mascarar a inação em áreas importante­s para a construção do futuro do país, já que a cada crítica dos que acompanham o dia a dia dos projetos de órgãos públicos a resposta tende a ser uma assertiva sobre a ineficácia de governos anteriores, algumas vezes verdadeira­s, outras não, ou a a geração de mais um factoide, que parecem construído­s para desviar a atenção daquilo que realmente interessa.

Mas parece existir hoje um cardápio de evidências científica­s a serem escolhidas de acordo com o alinhament­o político, e, assim, para algumas coisas, aceitam-se as verdades da ciência e fatos históricos documentad­os, para outras não.

Ora, em políticas públicas, também temos evidências do que foi testado e funcionou e o que, em diferentes contextos, deu errado. Assim, ter seriedade na busca de uma boa política de mobilidade urbana, de soluções para a segurança no trânsito é fundamenta­l, e temos soluções testadas antes de ter virado política pública. Abolir leis e práticas para agradar grupos restritos de eleitores, sem base em evidências do que funciona ou, por outro lado, gera consequênc­ias nefastas, não nos ajuda.

Temos um país a construir, não podemos perder tempo com jogos de cena ou fanfarroni­ces!

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil