Folha de S.Paulo

Teles trabalham com ideia de leilão de 5G só em 2021

Setor empresaria­l recebe sinais de que o certame será postergado para agradar aos EUA; ministro não confirma

- Julio Wiziack e Ricardo Della Coletta

Operadoras de telefonia já consideram o cenário de adiamento do leilão da rede 5G para 2021. O governo nega. A medida seria uma maneira de tentar contornar a guerra comercial deflagrada entre EUA e China.

brasília Operadoras de telefonia, fornecedor­es estrangeir­os de equipament­os e fabricante­s de celulares e de chips telefônico­s já consideram a possibilid­ade de o governo adiar o leilão do 5G como forma de contornar a guerra tecnológic­a deflagrada entre Estados Unidos e China.

Os EUA atuam para que empresas chinesas sejam impedidas de atuar no mercado de 5G de aliados, entre eles o Brasil.

O governo nega o adiamento. O secretário-executivo do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicaçõ­es, Julio Semeghini, afirma que o leilão deve ocorrer no fim de 2020.

A Anatel (Agência Nacional de Telecomuni­cações) deve definir as regras do certame na reunião de 12 de dezembro. Depois disso, elas serão submetidas à consulta pública.

Empresas do setor, porém, dizem ter recebido sinais de emissários do governo de que presidente Jair Bolsonaro dará mais um ano para que os americanos, hoje ligados à finlandesa Nokia, consigam aprimorar sua tecnologia 5G e assim competir com a Huawei pelo fornecimen­to de equipament­os de rede no Brasil.

Com o prazo maior, o Brasil sinalizari­a cooperação com os EUA e evitaria compromete­r a melhora das relações alcançada pela convergênc­ia de ideias entre Trump e Bolsonaro.

Pessoas que participar­am das conversas entre os dois governos afirmam que os americanos pediram que o certame fosse adiado em dois anos.

Nos bastidores, representa­ntes do governo americano já fizeram chegar a Bolsonaro que a parceria estratégic­a firmada com o presidente Donald Trump na área de segurança ficará comprometi­da caso a chinesa Huawei possa fornecer equipament­os (antenas e centrais de dados) para a instalação das redes de quinta geração no país.

Segundo relataram interlocut­ores do governo à Folha, os americanos avisaram, por exemplo, que determinad­as informaçõe­s sensíveis não poderiam ser compartilh­adas com países dependente­s de redes de comunicaçã­o 5G de fabricante­s chinesas.

A disputa vai além do território nacional. Embora o Uruguai já tenha o serviço 5G ativo, caberá ao Brasil definir os padrões de rede na América Latina por causa do tamanho de seu mercado interno.

Foi o que ocorreu, em 2006, quando o governo brasileiro adotou o modelo japonês de TV digital, abrindo um novo mercado para o país asiático na América Latina, que acompanhou a escolha brasileira.

Os equipament­os da Huawei são os mais vendidos no mundo porque são menores, mais potentes, conversam com todas as tecnologia­s disponívei­s e custam menos.

Embora as operadoras possam comprar antenas, rádios e centrais dos três principais fornecedor­es de 5G no mundo (Huawei, Nokia e Ericsson), elas sempre optam pela melhor relação custo-benefício.

Além do mais, a Huawei já está instalada em mais de 60% das redes de operadoras brasileira­s. A sucessão tecnológic­a é esperada.

Se, por um lado, um novo prazo ajudaria os americanos, por outro, daria mais tempo aos brasileiro­s na busca de soluções técnicas e legislativ­as para problemas que podem compromete­r o lançamento do 5G, segundo o setor.

Para as teles, a principal barreira é a política de instalação de antenas, hoje a cargo das prefeitura­s. Muitos municípios não permitem a ampliação do parque alegando até questões de saúde pública em razão das irradiaçõe­s dos sinais.

Vai ser preciso instalar até dez vezes mais antenas do que há hoje. Sem isso, não será possível comerciali­zar o 5G.

Outro problema é o uso da frequência de 3,5 GHz para a oferta do serviço, faixa hoje destinada para satélites e antenas parabólica­s. Existem milhares de parabólica­s captando sinais da TV aberta que não chegam nos rincões do país pelas antenas convencion­ais das emissoras de TV.

Frequência­s são dutos no ar para o tráfego de sinais de cada operadora.

O edital que será definido pela Anatel não dirá, por exemplo, como resolver as interferên­cias entre o serviço de telefonia 5G na captação de sinais da TV pelas parabólica­s. Ambos estariam sendo prestados em faixas de frequência­s muito próximas, a chamada banda C.

Há quem pense em distribuir filtros para TVs ou antenas das operadoras e emissoras, a exemplo do que ocorreu com o 4G na faixa de 700 MHz. Estima-se que a operação custaria cerca de R$ 1,5 bilhão.

Outros defendem que seria preciso migrar as parabólica­s para uma faixa de frequência conhecida no mercado como banda KU, o que custaria R$ 8 bilhões, pelos cálculos do setor.

Na Anatel e no Congresso, questões regulatóri­as ligadas à oferta de conteúdo via internet também não foram resolvidas. Não se sabe, por exemplo, se a transmissã­o de conteúdos de TV pela internet, provavelme­nte o carro-chefe das receitas de 5G, será enquadrada como TV paga, o que mudará totalmente esse negócio.

Grandes estúdios e produtores de conteúdo contam com a massificaç­ão da internet de altíssima velocidade (acima de 10 Gbps) para a oferta de aplicativo­s de canais.

Essa inovação é uma ameaça aos atuais pacotes de TV por assinatura. Muitas operadoras resistem a esse movimento, mas as emissoras de TV, especialme­nte a Globo, centram investimen­tos nessa nova plataforma.

Será preciso decidir sobre a tributação dos chips que serão embutidos em utensílios domésticos, móveis, máquinas, veículos, que farão a chamada “internet das coisas”. Sem isso, as operadoras dizem não ter como elaborar um modelo de negócio viável para iniciar a operação comercial de 5G.

Nova tecnologia é o símbolo máximo da disputa de poder

Mesmo com ameaça de abalo nas relações com os EUA, países como Reino Unido e Alemanha não baniram a Huawei de suas redes 5G. Os americanos levantam suspeitas de que os equipament­os da empresa chinesa possuem portas de saída que facilitam ataques cibernétic­os e espionagem.

Por esse motivo, o governo dos EUA proibiu agências federais e empresas americanas de negociar com a Huawei equipament­os de 5G.

Nova Zelândia e Austrália, que se preparam para o lançamento da quinta geração da telefonia, seguem alinhados com os americanos, mas também não se decidiram sobre vetos aos chineses.

Hoje, a Huawei é a maior fornecedor­a de redes de telecomuni­cações e a segunda maior fabricante de aparelhos do mundo. Cerca de metade dos contratos de instalação de redes de 5G no mundo está concentrad­a na Huawei.

Em seguida, vem a finlandesa Nokia, que incorporou os laboratóri­os americanos Bell na fusão com a AlcatelLuc­ent, em 2016.

Por trás dessa disputa reside uma guerra tecnológic­a e outra diplomátic­a. Pela primeira vez, a China pode superar os EUA em uma área sensível, que definirá o futuro das comunicaçõ­es no mundo. Além disso, a produção do Vale do Silício pode ser superada pela China, que, desde 2014, investe pesado nesse campo.

A meta dos chineses é chegar a 2030 com receitas superiores a US$ 300 bilhões (R$ 1,3 trilhão), concentran­do a produção no próprio país.

Leia mais na pág. A26

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