Folha de S.Paulo

Em novo disco, Gaby Amarantos quer falar sobre a sexualidad­e da mulher

Cantora paraense lançou ‘Xanalá’, que teve 1 milhão de visualizaç­ões, e diz que falar da vagina é tratar sexualidad­e feminina de forma mais livre

- Gaby Amarantos Teté Ribeiro

Gaby Amarantos chega maquiada à sessão de fotos para esta entrevista, feita em um estúdio improvisad­o no prédio da Folha. Com ela vêm seu marido e empresário, o inglês Gareth Jones, 38, dois figurinist­as e uma mala enorme de roupas e acessórios. A ideia era fazer uma foto com cenário que remete ao clipe de sua última música, “Xanalá”, mas sem muita produção. Só que isso não existe no universo de Gaby.

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Aos 41 anos, a paraense de Belém lançou o clipe de “Xanalá” no dia 9 de outubro, um tecnobrega feito em parceria com a artista Duda Beat, nas plataforma­s digitais.

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A música fala explicitam­ente de sexo e, mais especifica­mente, da vagina. Já tem quase 1 milhão de visualizaç­ões no YouTube, um ótimo número consideran­do uma artista independen­te que quase não toca nas rádios, nem é muito convidada para se apresentar em programas de TV.

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“Eu queria falar do prazer feminino, não só da xana mas de todo esse território, queria falar da sexualidad­e feminina de uma forma mais livre”, afirma.

No clipe, Gaby está cercada de vaginas por todos os lados e usa um vestido com vários tipos e tamanhos do órgão sexual feminino aplicados na saia. Até em sua unha a manicure deu um jeito de colocar uma minivagina.

“Não sou gorda, acho que dizer que sou gorda tira o protagonis­mo de quem é gordo de verdade, e não quero tirar o lugar de ninguém

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“A gente tem vários formatos de xana, várias cores de pele, várias texturas diferentes, então no clipe a gente tomou muito cuidado para que todas as mulheres —ou a maioria delas— olhassem e dissessem ‘a minha tá ali’, ‘aquela ali é a minha’, ‘a minha é a da direita’.”

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A vontade da cantora e compositor­a é fazer um álbum inteiro com a vagina como tema. “Xanalá” é apenas o primeiro passo.

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“A gente está no momento de falar sobre isso, e o feminismo ajuda muito porque a sociedade está mais aberta para discutir esse assunto. Imagina, eu quando era criança não sabia nada sobre nossa anatomia, minha mãe não falava nada sobre sexo, nunca conversou comigo”, diz.

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“E se a gente for pensar em relação ao mundo, no ano passado a gente teve uma das primeiras artistas a lançar um clipe falando sobre vagina, que foi a Janelle Monáe com ‘Pynk’. Quando eu vi aquele clipe, eu falei ‘nossa!’; eu já tava com essa vontade, mas quando vi aquela estética, aquilo me guiou muito”, diz.

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E, esse ano, a cantora Karol Conká também lançou uma música falando sobre o prazer feminino, “Lalá”, cujo refrão é “me lambe lá”.

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“A gente esteve junto no mês passado e ela falou, ‘nossa, mana, que bom que você lançou ‘Xanalá’, porque eu ficava, pô, cadê, e aí, não vem mais ninguém? Quem vem mais pra fortalecer esse movimento?’ Agora espero que ‘Xanalá’ faça com que outras artistas falem das suas formas sobre esse órgão tão precioso. É um prazer falar de xana, me dá muita alegria”.

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Neste ano, Gaby saiu em defesa da cantora Preta Gil, que, fotografad­a de biquíni na praia, recebeu uma enxurrada de comentário­s maldosos na internet por causa da aparência de seu púbis, que, como o resto de seu corpo, tem uma gordurinha.

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“Esse episódio vem se repetindo muito, a história com a Preta foi o estopim. É muito preconceit­o”, diz.

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“A gente tem que ter uma xana perfeita, um azulejo, que não marca no biquíni, sendo que a gente tem uma racha, a nossa anatomia é aquela. Aí fiz um ensaio de fotos de biquíni e umas imagens ficaram com a tal ‘pata de camelo’, e eu achei lindo, decidi postar uma e comentar o episódio da Preta”. A foto também gerou ironia e crueldades na internet, mas muitas mulheres defenderam a imagem e a posição de Gaby.

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“Eu sou uma mulher de xerecão, eu tenho tudo grande, eu sou grande. Eu tenho bundão, pernão, bração. Já tive problemas com isso, hoje me adoro como eu sou, fora do padrão”, afirma.

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“Não sou gorda, acho que dizer que sou gorda tira o protagonis­mo de quem é gordo de verdade e não quero tirar o lugar de ninguém. Gordo é quem não consegue passar na roleta do ônibus, que senta numa cadeira e ela quebra”, afirma.

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A cantora conta que foi bulímica durante 15 anos de sua vida. Fez duas cirurgias plásticas para tentar diminuir seu tamanho, uma lipoaspira­ção e uma abdominopl­astia.

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“Fiz tudo sem orientação nenhuma, fiquei 40 dias de cama depois da operação na barriga e depois quatro meses andando corcunda, porque eles puxam a pele e você perde a flexibilid­ade”, conta.

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“Fizeram um novo umbigo em mim. E ninguém me falou como seria o pós-operatório, disseram que em duas semanas eu poderia fazer show de novo. Tive que cancelar tudo por quase seis meses.”

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Gaby começou a cantar no coral de uma igreja católica, em sua cidade natal, aos 15 anos. Seu primeiro projeto artístico era gravar um disco de música gospel.

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“Mas eu sempre fui muito animada, queria usar brilho no altar e a igreja era muito conservado­ra. Para mim não bastava cantar, eu queria dançar, queria me expressar completame­nte pra Jesus. E aí a galera me convidou a sair do grupo de canto. Fui expulsa”, conta.

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Na mesma noite, depois da missa, Gaby foi convidada a cantar em uma sorveteria de Belém junto de um músico que interpreta­va MPB no violão.

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“Cantei Maria Bethânia, Marisa Monte. Uma hora perguntei se ele não tinha uma coisa mais agitada, um carimbó, ele tinha, começamos a cantar e a galera começou a dançar. Aí me contratara­m pra cantar todo fim de semana. Naquela primeira noite meu cachê foi um prato de sopa. Nas outras eu ganhava dinheiro”, diz.

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Largou o emprego que tinha, de telemarket­ing, seis meses depois. Aos 24 anos entrou para a banda paraense Tecnoshow, onde ficou até 2009, quando nasceu seu único filho, Davi, que tem apenas o nome dela na certidão de nascimento. No ano seguinte, a banda foi convidada para tocar num festival de Recife chamado Rebite e chamaram Gaby para cantar. Seria a primeira vez que se apresentar­iam fora do Pará. Ela aceitou.

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“Quando chegamos lá tinha 30 mil pessoas assistindo, era um negócio enorme e todo mundo conhecia as músicas da banda.”

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“Eu tava de maiô preto, luva dourada, um figurino muito parecido com o da Beyoncé no clipe de ‘Single Ladies’, até o cabelo. Cantei a versão que a gente tinha, ‘Hoje eu tô Solteira’, e, sem planejar nada, falei ‘eu sou a Beyoncé do Pará’. Aí saiu na imprensa toda essa história de Beyoncé do Pará e fui parar no Faustão. Aproveitei o palco pra falar de outras músicas e ‘Ex-My Love’ foi escolhida pra tocar em novela. Uma coisa encaixou na outra”.

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Atualmente, Gaby se divide entre São Paulo, onde toda semana grava o programa Saia Justa (GNT), em que é uma das apresentad­oras, Rio e Belém, onde mora seu filho. “Eu quero que ele conheça a floresta amazônica antes de conhecer a Disney”, diz.

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E espera o lançamento do filme que fez como protagonis­ta no ano passado, a comédia com toques de suspense “Serial Kelly”, dirigido por Renê Guerra e produzido pela Bananeira Filmes junto com a Globo Filmes. “Não sei porque não saiu ainda, mas desconfio. Na história a gente mata um pastor e tem uma gangue de travestis”, arrisca. “Acho que a gente está regredindo, olha o presidente que a gente escolheu”.

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Gabriel Cabral/Folhapress A paraense Gaby Amarantos, uma das principais representa­ntes do tecnobrega
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Gabriel Cabral/Folhapress A cantora paraense Gaby Amarantos, uma das principais representa­ntes do tecnobrega

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