Febre cambial
Alta recente do dólar pode ser explicada ao menos em parte por transformações da cena econômica
Acerca da escalada recente das cotações do dólar.
Em um país com histórico de reviravoltas na política econômica, não deixa de ser natural a busca por referências de estabilidade. No Brasil, altas abruptas na cotação do dólar frequentemente tendem a ser tomadas como sinalização de crise na economia.
Foi assim nos últimos dias, com a rápida desvalorização do real, cuja cotação bateu sucessivos recordes ante o dólar e suscitou intervenções do Banco Central.
Declarações desastradas de autoridades certamente contribuíram para tal comportamento. O ministro da Economia, Paulo Guedes, por exemplo, afirmou não estar preocupado com o patamar atual, que deve ser duradouro. Sua grotesca referência ao AI-5 da ditadura militar tampouco contribui para aumentar a confiança no país.
Ainda assim, cabe considerar se as oscilações da moeda sugerem problemas. Para tanto, a mera observação de preços pode não ser informativa. Basta dizer que o patamar atual, acima de R$ 4,20, embora nominalmente elevado, está distante do recorde observado em 2002 corrigido pela inflação —próximo a R$ 7,5 por dólar.
A desvalorização do real incentiva exportações, estimulando, de imediato, a atividade econômica. Por outro lado, o encarecimento dos equipamentos importados compromete o investimento. Mudanças nos preços de itens centrais da pauta comercial, como matérias-primas, também interferem.
Já no mercado financeiro, o câmbio se comporta como um ativo sujeito aos humores dos investidores, que por vezes tendem a conferir caráter especulativo às cotações. É justamente esse efeito que o Banco Central busca combater com suas intervenções, além de levar em conta eventuais impactos secundários na inflação.
Nada disso constitui novidade. A mudança verdadeira se dá na política econômica. O cenário de austeridade fiscal e juros baixos, com a taxa do BC em 5% ao ano, altera o comportamento da moeda.
Reduz-se, por exemplo, a atratividade de fluxos de curto prazo que se aproveitavam do diferencial de rentabilidade em relação ao restante do mundo, o que é bem-vindo.
Mudanças nas estatísticas, além disso, mostraram que o déficit externo brasileiro é bem maior que o estimado antes, mesmo com a economia ainda cambaleante.
Tudo isso sugere que a cotação necessária para equilibrar os mercados pode mesmo ser mais alta. Sem que o país apresente problemas de financiamento externo, e dadas as altas reservas internacionais, a febre cambial não parece ser indicativa de doença mais grave.