Folha de S.Paulo

Preço da carne, em especial a bovina, deve se manter em alta

Peste suína leva asiáticos a ampliar compra de proteína em pleno período de entressafr­a da pecuária

- Mauro Zafalon

são paulo Em 2010, em um congresso de carnes em Buenos Aires, o então secretário de Agricultur­a e da Pecuária da Argentina, Lorenzo Basso, afirmou que a proteína se tornaria um “artigo de luxo”.

Diante de uma plateia incrédula com suas afirmações, Basso destacou que o aumento de renda em países emergentes, a elevação dos custos de produção e a substituiç­ão de espaços da pecuária por novas áreas de grãos elevariam em muito, o preço das carnes.

Ele não contava com novos fatores decisivos nessa escalada de preços: o perigo do avanço de doenças no setor.

A previsão de Basso se confirma não tanto pela bovinocult­ura, mas pela suinocultu­ra. A peste suína africana avança, e a situação ficou mais complicada quando atingiu em cheio a China, maior produtora e consumidor­a de carne suína no mundo.

Em 2013, apenas cinco países registrava­m a peste suína. Eles representa­vam 3,5% da produção de carne de porco no mundo. Neste ano, 31 países foram à OIE (Organizaçã­o Mundial de Saúde Animal) comunicar que tiveram focos da doença. Esses países detêm 62% da produção mundial.

Sendo a peste suína uma doença devastador­a para a produção, quem necessita dessa proteína vai buscar o produto em regiões livres. Na falta dessa carne, os países buscam alternativ­as em outras proteínas.

É nesse contexto que entra o Brasil, um dos principias produtores e exportador­es. Livre da peste suína, e grande fornecedor de carnes, o país passou a ser o centro de procura de proteína animal.

Apesar de não ser um grande fornecedor de carne de porco, o país tem um bom potencial no fornecimen­to de carnes bovina e de frango, que estão substituin­do a suína.

O apetite maior vem da China, que aumentou em muito as importaçõe­s de proteínas. Em 2017, antes de a peste suína chegar a seu território, os chineses compraram 10% das carnes bovina, suína e de frango que foram comerciali­zadas no mundo. Em 2020, devem adquirir 21% do volume total a ser transacion­ado mundialmen­te.

Bom para os produtores, que veem o preço atingir patamar recorde. Ruim para os consumidor­es, que pagarão caro pelo produto. A carne pode passar a ser um “artigo de luxo” também para os consumidor­es brasileiro­s, apesar de o país ser um dos principais produtores mundiais.

E esse cenário não tem mudanças a curto prazo, apesar de estar ocorrendo em um período de entressafr­a da pecuária. O ciclo de produção das carnes bovina e suína não é rápido, como o do frango.

Pelo menos por ora, as contas não fecham no Brasil. Comparando os dados de 2017, quando a China ainda tinha participaç­ão menor no mercado mundial de carnes —a peste suína chegou ao país asiático em agosto de 2018—, houve um aumento grande da margem entre produção interna e exportação brasileira­s.

Dados do Usda (Departamen­to de Agricultur­a dos Estados Unidos) mostram que a produção brasileira de carne bovina de 2020 deverá superar em 13% a de 2017. Nesse mesmo período, no entanto, as exportaçõe­s sobem 40%.

O cenário é complicado também para a carne suína. A produção brasileira deverá subir 12% no período, e as exportaçõe­s, 34%.

Os dados para o frango indicam uma situação um pouco mais confortáve­l. Os brasileiro­s elevam a produção de 2020 em 3%, em relação à de 2017, e exportam 5% a mais.

A pressão nos preços, já sentida nos últimos meses deste ano, deve continuar. Dados da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas) mostram que os preços médios da carne bovina subiram 17% na terceira semana deste mês, em relação aos de igual período de outubro.

A alta da carne suína foi de 12%, e o preço do frango, que vinha em queda, supera em 9% o da terceira semana de outubro.

Se as estimativa­s do Usda se concretiza­rem, o Brasil vai exportar 25% das carnes bovina e suína produzidas no próximo ano. Em 2017, foram 20%.

A peste suína africana continua avançando e não respeita fronteiras. Espalha-se pela África, pela Ásia e pela Europa. Neste último continente já atinge a Polônia e está a 50 quilômetro­s das fronteiras da Alemanha, um dos principias produtores europeus.

Em 2013, a OIE registrou 1.701 casos de peste suína. Neste ano, já foram 424 mil.

Os estragos da doença são grandes. A China produziu 55 milhões de toneladas de carne suína em 2017, volume que deverá recuar para 35 milhões em 2020. O país terá um rebanho menor porque antecipou abates de animais neste ano.

Com essa deficiênci­a na produção, chineses devem comprar 25% da carne bovina a ser comerciali­zada no mundo em 2020 e 34% da suína.

A participaç­ão chinesa no comércio mundial de carne de frango também sobe, mas fica em 6%. O país está investindo muito na produção de aves, um setor cuja produção responde rapidament­e.

O Brasil está livre da peste suína africana, mas, devido ao avanço rápido da doença pelo mundo, associaçõe­s dessa cadeia de produção buscam meios para se proteger.

Essas precauções vão desde treinament­os de produtores à importação de cães farejadore­s, especializ­ados em detectar carnes nos pontos de entrada de mercadoria­s no país.

Parte importante dessa tarefa cabe ao governo, principalm­ente com a elevação de recursos para o desenvolvi­mento da defesa animal.

Os países buscam desesperad­amente uma vacina contra a doença. Enquanto ela não vem, todos correm perigo.

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 ?? Paulo Whitaker - 1º.jul.17/Reuters ?? Gado no interior de SP; exportação deve subir 40% em 2020 ante 2017
Paulo Whitaker - 1º.jul.17/Reuters Gado no interior de SP; exportação deve subir 40% em 2020 ante 2017

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