Prefeitura de SP não indica onde gastará 90% de verba localizada
Raio-X do projeto de lei do orçamento de 2020 expõe lacuna em gastos que deveriam ter local de uso indicado
são paulo Os paulistanos desconhecem os locais que receberão R$ 9 de cada R$ 10 em gastos destinados a áreas específicas da cidade, em 2020.
Entre as despesas cujos territórios podem ser informados por terem destino certo dentro do município, estão reformas de escolas, obras de saneamento e construções de hospitais.
Somadas, rubricas desse tipo previstas para o próximo ano atingem R$ 34,2 bilhões, segundo mapeamento feito pela Fundação Tide Setubal no projeto de lei orçamentária enviado pela prefeitura à Câmara Municipal em setembro.
No entanto, desse total, R$ 31 bilhões —ou 90,7% do total— não têm seu destino identificado entre as 32 subprefeituras da cidade.
Isso faz com que o chamado indicador de regionalização do orçamento de 2020, calculado pela fundação, seja de apenas 9,3%, inferior aos 14,5% de 2019, embora ainda acima dos 7,2% de 2018.
O cálculo exclui —de seu numerador e denominador — despesas que não poderiam ser especificadas em nível local, já que beneficiam a cidade inteira, como treinamentos gerais aos servidores públicos, campanhas e desenvolvimento de sistemas de informação.
Em um estudo divulgado recentemente, a Fundação Tide Setubal cita exemplos de retrocessos, em termos de transparência, como os investimentos no projeto de construção de Centros de Educação Infantil (CEIs). Segundo a entidade, essas despesas eram detalhadas em nível local no orçamento de 2019 enviado à Câmara em 2018, mas isso deixou de ocorrer neste ano em relação ao próximo.
A pesquisa aponta que o mesmo movimento de redução da informação em termos de territórios ocorreu no quesito “reformas de hospitais”.
A fundação ressalta que os recuos no orçamento de 2020 contradizem o compromisso de maior regionalização do orçamento assumido pela Prefeitura de São Paulo em 2018.
Segundo a entidade, a gestão de Bruno Covas (PSDB) chegou a dar um passo positivo concreto nessa direção, ao publicar um manual orientando os órgãos públicos para detalhar melhor a localização dos seus gastos.
O estudo especula que, no entanto, esse documento pode ter contribuído para a redução do percentual informado no projeto enviado à Câmara porque “sinalizou a prioridade em informar os valores efetivamente gastos”, em detrimento do acompanhamento da regionalização em todo o processo orçamentário.
A Fundação Tide Setubal ressalta que outra possível explicação para o recuo no índice de regionalização é a proximidade do fim da gestão atual, em 2020.
“Há tendência de queda dos percentuais regionalizáveis ao longo do ciclo dos governos, o que pode estar associado a uma intenção do Executivo de não mostrar claramente seus planos para o último ano da gestão”, diz um trecho do estudo.
Procurada, a prefeitura não concedeu entrevista. Em uma nota enviada à reportagem, a Secretaria de Fazenda afirmou que, até a aprovação final do orçamento de 2020, que deverá ocorrer em dezembro, “haverá ampliação no detalhamento regionalizado das previsões de gastos públicos”.
Para manter uma série histórica que permita comparações, a Fundação Tide Setubal calcula os dados do mesmo estágio da discussão orçamentária, sempre se baseando na proposta enviada originalmente aos vereadores.
Na nota enviada à Folha, a pasta municipal da Fazenda afirmou que tem buscado aprimorar o detalhamento dos gastos por território da cidade, tanto na fase orçamentária quando na etapa de execução efetiva dos recursos.
Nos últimos anos, o índice que mede a identificação das áreas beneficiadas pelas despesas já realizadas foi ainda menor do que o indicador aferido a partir do orçamento.
“Sem essa informação não é possível mensurar o esforço da gestão municipal para reduzir as desigualdades existentes entre as periferias urbanas e as demais regiões das cidades”
Hademba Mutana coordenador de políticas públicas da Fundação Tide Setubal
Segundo a Fundação Tide Setubal, em 2019 (com dados disponíveis até setembro), o indicador de regionalização do gasto efetivamente feito foi de apenas 3,4%.
Segundo Handemba Mutana, coordenador de políticas públicas da Fundação Tide Setubal, a transparência da despesa por região é baixa porque “falta compromisso com esse dado”.
Ele reconhece que tem havido esforço da gestão municipal para aumentar a regionalização, mas em ritmo lento.
“O esforço da administração para sensibilizar os técnicos [responsáveis pela computação dos gastos] é um passo importante. Mas a velocidade nos resultados não é a que se espera”, diz.
A criação dos indicadores de regionalização partiu da constatação de que uma maior transparência em relação ao destino físico dos gastos contribuiria para o combate das desigualdades internas dos municípios, particularmente grandes em metrópoles como São Paulo.
“Sem essa informação não é possível mensurar o esforço da gestão municipal para reduzir as desigualdades existentes entre as periferias urbanas e as demais regiões das cidades”, afirma Mutana.
Tomás Wissenbach, responsável pela elaboração do índice da fundação, diz que o indicador oferece um parâmetro tanto para o governo quanto para a sociedade.
“Se você mostra onde construirá escolas, por exemplo, torna a discussão do orçamento muito mais concreta para o cidadão, que passa a ter subsídio para opinar e cobrar”, diz Wissenbach, que é pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).
Além da análise do orçamento de São Paulo, em 2019, a Fundação Tide Setubal encomendou um estudo internacional sobre práticas de regionalização dos gastos públicos municipais.
Por um limite metodológico, o cálculo feito pelo pesquisador Pedro de Lima Marin relaciona o total de despesas com locais informados em relação ao orçamento total (e não apenas às despesas que serão destinadas a áreas específicas).
No caso de São Paulo, o índice de regionalização das 32 subprefeituras, por essa ótica, foi de 6,3%, menor que o de 12 das 15 cidades para as quais existiam dados, como Buenos
Aires (pelo menos 65%), Londres (57,8%), Cidade do México (18,3%) e o Distrito Federal (12,5%), única outra unidade da federação brasileira incluída na amostra.
Segundo Marin, embora pesquisas sobre os resultados da regionalização sejam ainda escassas, existe uma percepção de que, ao aumentar a transparência, essa prática facilita o combate às desigualdades urbanas.
Por isso, diz ele, há uma tendência mundial de detalhamento das áreas contempladas pelos gastos públicos.
“São Paulo teve muitos avanços nos últimos anos e caminha para uma maior sincronia
“Se você mostra onde construirá escolas, por exemplo, torna a discussão do orçamento muito mais concreta para o cidadão, que passa a ter subsídio para opinar e cobrar”
Tomás Wissenbach pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e responsável por elaborar o índice
com essa tendência, embora o resultado ainda seja baixo”, afirma ele.
Por trás da média baixa de regionalização do orçamento paulistano, há grande disparidade entre os indicadores de diferentes secretarias e órgãos.
O percentual de regionalização dos gastos previstos pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano já era alto nos últimos anos e chegou a 100% no orçamento previsto para 2020. A Secretaria de Habitação também apresentou progresso, com o índice subindo de 2,2% há dois anos para 59,2% para 2020.
Mas a maioria dos casos indica níveis de regionalização da despesa informada muito baixa ou quase nula, como nas Secretarias de Infraestrutura Urbana e Obras e de Educação, onde os índices para o próximo ano são, respectivamente, 0 e 1%.
Em nota à reportagem, a Secretaria de Educação diz que segue as instruções da Fazenda, mas que, ao contrário dos demais órgãos municipais, enfrenta limites à regionalização da despesa do gasto.
Isso ocorreria porque “as escolas não são unidades orçamentárias” e, portanto, não podem ser identificadas com os instrumentos existentes, o que explicaria o percentual sempre baixo da localização de despesas educacionais.