Folha de S.Paulo

Sou você amanhã

- Bruno Boghossian

brasília Aconteceu na Hungria, na Venezuela, na Rússia e em outros países. Aos poucos, as instituiçõ­es públicas passaram a ser usadas pelos governante­s para punir desafetos e atender a interesses particular­es. A perseguiçã­o se tornou método, a ponto de não ser mais possível chamar essas nações de democracia­s.

No Brasil, o presidente se apossa do Estado de maneira cada vez mais descarada. A decisão do governo de promover um ataque direcionad­o à Folha, excluindo o veículo de uma licitação para assinatura de jornais, é um exemplo flagrante desse abuso de poder para fins individuai­s.

As críticas à imprensa sempre foram armas retóricas de Jair Bolsonaro. A medida tomada na última semana, no entanto, não representa apenas uma escalada nessa área. O governo já explora abertament­e sua autoridade e o orçamento público como ferramenta­s para tentar intimidar e estrangula­r quem não estiver alinhado a suas vontades.

O presidente tratou a decisão de excluir um único veículo da licitação como mero capricho. “Eu não quero ler a Folha mais. E ponto final. E nenhum ministro meu”, disse, na sexta-feira (29), como se suas preferênci­as pessoais servissem como balizas para o interesse público.

Bolsonaro já havia editado uma medida para suspender a publicação de balanços empresaria­is em mídia impressa. Citou explicitam­ente como alvo o jornal Valor Econômico e disse que não havia gostado de uma entrevista publicada pelo veículo.

Depois ameaçou cassar a concessão da TV Globo para se vingar do canal que divulgou o depoimento do porteiro de seu condomínio no caso Marielle. Também passou a destinar mais verba de publicidad­e a emissoras que têm menos audiência, mas que defendem sua agenda.

O governo nem disfarça quando recorre a atos arbitrário­s para tentar silenciar críticos e premiar quem é subservien­te, desprezand­o critérios técnicos e os próprios limites do poder. Hoje a imprensa está na mira de Bolsonaro. Amanhã pode ser qualquer um que o contrariar.

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