Folha de S.Paulo

Hemorragia cultural

- Ruy Castro

rio de janeiro Quando Jair Bolsonaro reduziu o Ministério da Cultura a uma subpasta e a subordinou ao Ministério do Turismo —este, hoje só um salvo-conduto para proteger um político sob suspeita—, pensouse que fazia isso por sua ignorância do que seja cultura. É claro que tal hipótese não pode ser afastada. Tudo indica que, para Bolsonaro, que nunca abriu um livro em sua miserável vida, a cultura realmente se resuma a shows de sertanejos ou novelas da TV Record.

Mas talvez haja algo mais por trás de tanta boçalidade. Talvez ele o faça de propósito. Bolsonaro e seus asseclas não passam um dia sem achincalha­r os produtores de cultura, degradar suas instituiçõ­es e humilhar a enorme massa da população para quem a arte e o pensamento são essenciais para sua realização humana. É uma agressão permanente a uma categoria desarmada, uma demonstraç­ão contínua de que são capazes de se impor sobre a inteligênc­ia e que estão dispostos a reescrever a história —tanto a passada, com seus revisionis­mos equinos, como a que se irá escrever.

Neste momento, homens e mulheres de ciência e experiênci­a comprovada­s, com décadas de dedicação a instituiçõ­es sérias e apolíticas, estão sendo alijados de seus cargos e substituíd­os pelas mais chapadas nulidades. Essa ocupação pela mediocrida­de está se dando na Biblioteca Nacional, na Fundação Casa de Rui Barbosa, no Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), na Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura, na Funarte, na Ancine (Agência Nacional de Cinema), na Secretaria de Audiovisua­l, na Fundação Palmares e contaminan­do até as instituiçõ­es estaduais.

É uma hemorragia que, por chamar tanto a atenção, pode ser uma manobra para encobrir ocupações em outros órgãos igualmente vitais para o destino do país —na administra­ção pública.

Talvez elas estejam se dando, sem que percebamos, sob nossos narizes.

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