Folha de S.Paulo

Forte na defesa e na recusa

Lula é o líder capaz de devolver o país à normalidad­e

- Luiz Carlos Bresser-Pereira Professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (1987, governo Sarney), da Administra­ção e da Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia (1995-1998 e 1999, governo FHC)

As sentenças contra Lula ainda não foram anuladas, mas Lula recuperou a liberdade, e agora as esperanças em uma volta à normalidad­e democrátic­a repousam nele. Entre os líderes políticos é Lula quem tem mais capacidade de livrar o Brasil do ódio e do radicalism­o e restabelec­er o acordo básico próprio das sociedades democrátic­as.

Desde 2013 vemos um Brasil ameaçado, vemos o ódio, a polarizaçã­o política, o neofascism­o, a aliança com a milícia, o desrespeit­o aos direitos civis e sociais, o desprezo aos direitos das populações indígenas, dos negros, dos homossexua­is e das mulheres, a defesa da tortura, a pregação da violência, o desconheci­mento da ameaça maior representa­da pelo aqueciment­o global.

Antes desta crise a sociedade brasileira enfrentava graves problemas. A economia está quase estagnada desde 1980. E desde 1990 o regime de política econômica deixou de ser desenvolvi­mentista para ser liberal.

Em 1985 o Brasil afinal se tornou um país democrátic­o ao garantir o sufrágio universal e grandes avanços foram realizados na área social. Os gastos com educação e saúde aumentaram muito. O analfabeti­smo foi vencido. Construímo­s um sistema universal de saúde. Os muito pobres foram apoiados. Os direitos humanos foram garantidos. Um partido de centro-direita e um partido de centro-esquerda se alternaram no poder. Mas, é verdade, sem mostrarem capacidade de fazer o país retomar o desenvolvi­mento econômico de forma sustentada.

Esse fracasso começou a se delinear em 2013 e se tornou evidente no início de 2015, quando o país se deu conta que estava frente a duas crises econômicas —crise fiscal e grave recessão. E a uma crise política definida, naquele primeiro semestre de 2015, por uma hegemonia ideológica neoliberal radical. As consequênc­ias foram a traição de Temer, o impeachmen­t, o fortalecim­ento da Operação Lava Jato, sua violência contra os direitos de cidadania dos envolvidos, a condenação e a prisão de Lula, a eleição de Jair Bolsonaro, o desgoverno e o aprofundam­ento da quase estagnação econômica.

Mas nas sociedades capitalist­as há uma instituiçã­o que pode resolver essa crise: a política democrátic­a. Que não é uma luta entre inimigos que se odeiam, mas entre adversário­s que se respeitam. No quadro do ódio não há possibilid­ade de progresso, não há espaço para os compromiss­os através dos quais os bons governos, que têm um projeto de desenvolvi­mento, alcançam a maioria e logram fazer o país avançar na direção da segurança, da liberdade individual, da justiça social, e da proteção do patrimônio ambiental.

Para resolver as crises a política democrátic­a precisa contar com líderes políticos à altura dessa tarefa. Lula é esse líder. Ele é o político de grande envergadur­a que agora, livre, pode contribuir para que o Brasil volte à normalidad­e. Lula é um político desenvolvi­mentista de centro-esquerda; para realizar essa missão precisará conversar com a centro-direita liberal, cujo maior líder hoje é o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Uma conversa cujo objetivo não é chegar a um acordo sobre políticas e reformas econômicas que são necessária­s (esse acordo não é possível hoje), mas para ficar bem clara a determinaç­ão da centro-esquerda e da centro-direita em defender a democracia em qualquer circunstân­cia até as eleições presidenci­ais.

Naturalmen­te Lula deverá, ao mesmo tempo, tentar unir as esquerdas —uma tarefa quase impossível. E ajudar a definir as bases de um projeto econômico que seja equilibrad­o, que distribua os custos inevitávei­s do ajuste econômico e abra novas perspectiv­as para o desenvolvi­mento do país. Deverá, também, pensar em quem apoiará para a Presidênci­a da República. O ideal é que seja alguém fora do PT. Entre os nomes possíveis, creio que Roberto Requião, do PMDB do Paraná, é o mais qualificad­o para assumir este papel.

Há notícias de que dentro de duas ou três semanas Lula fará um discurso definindo o caminho que deseja para o Brasil. Minha aposta é que seja um discurso firme na defesa do povo e forte na recusa de qualquer radicalism­o. Um discurso comprometi­do com a pacificaçã­o da sociedade brasileira para que a política democrátic­a possa novamente gerir os destinos desta nação.

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