Ação contra a Folha choca ex-ministros do Supremo e do STJ
brasília A exclusão da Folha, após promessa de Jair Bolsonaro, de uma licitação da Presidência da República para o fornecimento de acesso digital ao noticiário da imprensa configura “ação ilícita”, “desvio de poder” e “fere o decoro do cargo”, dizem especialistas consultados, incluindo ex-integrantes de cortes superiores.
“A meu pensar não se trata em rigor de uma licitação, mas de uma ilícita ação. Escancaradamente desrespeita a lei de licitações”, afirma Carlos Ayres Britto, ex-ministro do STF (Supremo Tribunal Federal).
O ex-ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Gilson Dipp avalia que o ato de Bolsonaro fere princípios constitucionais como o da impessoalidade e da moralidade, desrespeita as leis de licitação e de improbidade administrativa, além de ir contra o decoro do cargo.
Edital de pregão eletrônico publicado na quinta-feira (28) no Diário Oficial da União prevê a contratação por um ano, prorrogável por mais cinco, de uma empresa especializada em oferecer a assinatura dos veículos de imprensa à Presidência. A lista cita 24 jornais e 10 revistas. A Folha não é mencionada.
A Presidência não informou o motivo da ausência do jornal no processo de licitação e o critério técnico adotado.
“Olha, a Folha de S.Paulo não serve nem para forrar aí o galinheiro. Olha só, eu estou deixando de gastar dinheiro público”, disse Bolsonaro na manhã de sexta (29), quando fez novas ameaças à Folha e disse que boicota produtos de anunciantes do jornal.
Segundo Ayres Britto, os atos da administração pública precisam ser regidos pelos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência e igualdade.
Ele diz ser possível concluir “com extrema facilidade” que a retirada da Folha do processo de concorrência “não tem a menor justificação objetiva”.
“E a subjetividade, o personalismo, a fulanização, as preferências pessoais do administrador público, tudo isso não conta como categoria jurídica. Pelo contrário, é categoria antijurídica”, conclui.
Para o professor emérito da PUC-SP Celso Antônio Bandeira de Mello, a retirada do jornal do processo é “um ato nulo” e constitui “um desvio de poder óbvio”. “Você não pode excluir uma pessoa porque você não gosta dela ou porque te critica. Isso não tem nada a ver com as razões jurídicas.”
O ex-ministro do STJ Gilson Dipp afirma que ficou patente que o objetivo do presidente é promover uma “retaliação política” em razão da cobertura crítica do jornal, o que configura uma “censura expressa”.
“É tão inadmissível o ato que fere inúmeros princípios constitucionais e inúmeras normas legais, além do próprio decoro da Presidência da República. Parece que o presidente Bolsonaro conseguiu, num ato só, trazer uma série de consequências jurídicas legais e constitucionais.”
Ainda segundo Dipp, a infração de normas como as leis de licitação e de improbidade administrativa são cabíveis de punições específicas, até mesmo o impedimento do presidente.
O Grupo Prerrogativas, que reúne diversos especialistas do direito, disse em nota que a exclusão da Folha do processo licitatório faz do Estado “instrumento de vingança pessoal do ocupante do cargo de presidente da República”.