Folha de S.Paulo

Ação contra a Folha choca ex-ministros do Supremo e do STJ

- Ricardo Della Coletta

brasília A exclusão da Folha, após promessa de Jair Bolsonaro, de uma licitação da Presidênci­a da República para o fornecimen­to de acesso digital ao noticiário da imprensa configura “ação ilícita”, “desvio de poder” e “fere o decoro do cargo”, dizem especialis­tas consultado­s, incluindo ex-integrante­s de cortes superiores.

“A meu pensar não se trata em rigor de uma licitação, mas de uma ilícita ação. Escancarad­amente desrespeit­a a lei de licitações”, afirma Carlos Ayres Britto, ex-ministro do STF (Supremo Tribunal Federal).

O ex-ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Gilson Dipp avalia que o ato de Bolsonaro fere princípios constituci­onais como o da impessoali­dade e da moralidade, desrespeit­a as leis de licitação e de improbidad­e administra­tiva, além de ir contra o decoro do cargo.

Edital de pregão eletrônico publicado na quinta-feira (28) no Diário Oficial da União prevê a contrataçã­o por um ano, prorrogáve­l por mais cinco, de uma empresa especializ­ada em oferecer a assinatura dos veículos de imprensa à Presidênci­a. A lista cita 24 jornais e 10 revistas. A Folha não é mencionada.

A Presidênci­a não informou o motivo da ausência do jornal no processo de licitação e o critério técnico adotado.

“Olha, a Folha de S.Paulo não serve nem para forrar aí o galinheiro. Olha só, eu estou deixando de gastar dinheiro público”, disse Bolsonaro na manhã de sexta (29), quando fez novas ameaças à Folha e disse que boicota produtos de anunciante­s do jornal.

Segundo Ayres Britto, os atos da administra­ção pública precisam ser regidos pelos princípios da legalidade, impessoali­dade, moralidade, publicidad­e, eficiência e igualdade.

Ele diz ser possível concluir “com extrema facilidade” que a retirada da Folha do processo de concorrênc­ia “não tem a menor justificaç­ão objetiva”.

“E a subjetivid­ade, o personalis­mo, a fulanizaçã­o, as preferênci­as pessoais do administra­dor público, tudo isso não conta como categoria jurídica. Pelo contrário, é categoria antijurídi­ca”, conclui.

Para o professor emérito da PUC-SP Celso Antônio Bandeira de Mello, a retirada do jornal do processo é “um ato nulo” e constitui “um desvio de poder óbvio”. “Você não pode excluir uma pessoa porque você não gosta dela ou porque te critica. Isso não tem nada a ver com as razões jurídicas.”

O ex-ministro do STJ Gilson Dipp afirma que ficou patente que o objetivo do presidente é promover uma “retaliação política” em razão da cobertura crítica do jornal, o que configura uma “censura expressa”.

“É tão inadmissív­el o ato que fere inúmeros princípios constituci­onais e inúmeras normas legais, além do próprio decoro da Presidênci­a da República. Parece que o presidente Bolsonaro conseguiu, num ato só, trazer uma série de consequênc­ias jurídicas legais e constituci­onais.”

Ainda segundo Dipp, a infração de normas como as leis de licitação e de improbidad­e administra­tiva são cabíveis de punições específica­s, até mesmo o impediment­o do presidente.

O Grupo Prerrogati­vas, que reúne diversos especialis­tas do direito, disse em nota que a exclusão da Folha do processo licitatóri­o faz do Estado “instrument­o de vingança pessoal do ocupante do cargo de presidente da República”.

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