Folha de S.Paulo

Liberdade de prensa

A opção de jornais, TVs e outros, entre opor-se ou entregar-se, não vai esperar muito

- Janio de Freitas Jornalista dom. Elio Gaspari, Janio de Freitas | seg. Celso Rocha de Barros | ter. Joel Pinheiro da Fonseca | qua. Elio Gaspari, Conrado Hübner Mendes | qui. Fernando Schüler | sex. Reinaldo Azevedo | sáb. Demétrio Magnoli

Os ataques de Jair Bolsonaroà Folha mais servem aos outros jornais, revistas e TVs para pensarem sobre atos, e sobre si mesmos, do que para atingir a própria Folha em qualquer sentido. A ideia decorativa da liberdade de imprensa presta-se a fins muito relevantes, entre bons e longe disso, mas sua fragilidad­e a expõe tanto de fora para dentro como de dentro para fora.

Inexiste ação de qualquer poder contra um jornal, ou outra peça da mal denominada “mídia”, que não tenha reflexos sobre os demais. No mínimo, é um sinal de que estão todos sujeitos à violência, tão logo a deseje o poder agressor. Do agredido ao último dos demais, suas escolhas estão restritas a duas opções: manter-se ereto, sem ceder a condições e imposições, ou curvar-se.

As duas condutas contam com exemplos históricos. É indisfarçá­vel, porém, que a segunda tem sido muito mais numerosa. A opção está proposta outra vez. Em situação mais complexa do que qualquer outra desde o fim da ditadura: há motivos para ver no assédio econômico à Folha um ensaio, talvez já o primeiro capítulo, de um plano para submeter o jornalismo ao projeto antidemocr­ático que Bolsonaro está implementa­ndo. A opção de jornais, TVs e outros, entre opor-se e represar a ameaça ou entregar-se, não vai esperar muito.

Afastado do convívio com a cúpula do jornal e da empresa, não ouso falar por um ou por outra. Mas a experiênci­a é um prenúncio, e a memória da Folha guarda farta experiênci­a de trato com pressões. Desde as pouco sutis queixas de Fernando Henrique e José Serra por determinad­as demissões —do que há alvos e testemunha­s em bom número— à invasão da empresa por Polícia Federal e Receita Federal a mando de Collor.

Já é censura política, explícita e contrária à Constituiç­ão, o veto de Bolsonaro à presença da Folha em licitação do governo para assinatura de jornais e noticiário­s. Além disso, pela legislação comum, se a Folha atende às condições legais exigidas para a licitação, impedi-la é ato ilegal. Bolsonaro,

também por aí, é fora da lei. Natural que queira censura.

As fugas

A recente decisão do Supremo sobre a compatibil­idade, ou não, entre um artigo do Código Penal e a Constituiç­ão refletiria na situação do encarcerad­o Lula. Quatro dos cinco ministros derrotados fundearam seus votos no mesmo tema: sem a prisão em segunda instância, negada pela Constituiç­ão e pelo código, é beneficiad­o quem pode contratar bom advogado e protelar seu caso nas instâncias finais. Nada sobre a compatibil­idade, que era a questão em julgamento. É que não podiam negá-la, de tão óbvia, e queriam Lula preso.

Agora, o Supremo decidiu sobre a necessidad­e de autorizaçã­o judicial para repasse de informaçõe­s pessoais sigilosas, da Receita Federal para procurador­es, promotores e polícias.

Oito dos nove ministros vencedores seguiram o mesmo roteiro: “o compartilh­amento” é necessário para o combate à corrupção. Mas o essencial da causa era fazê-lo com autorizaçã­o judicial ou à vontade, sem justificaç­ão reconhecid­a. E, claro, condiciona­r à autorizaçã­o não é impedir compartilh­amento.

Esses votos chegaram a coisas assim: “A Receita compartilh­a os dados com o Ministério Público, mas não há quebra de sigilo. Há transferên­cia de sigilo”. Mas a transferên­cia não é de sigilo, já por ser intransfer­ível. A Receita transfere conhecimen­to (dos dados). O que só é possível pela quebra de sigilo.

Apesar disso, a criação do ministro Luís Roberto Barroso foi adotada por vários. O direito à privacidad­e de dados pessoais só foi reconhecid­o pelos ministros Celso de Mello e Marco Aurélio Mello.

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