Folha de S.Paulo

Incerta sobre Lula, PEC pode ir ao Supremo

Para especialis­tas, aplicação de proposta sobre 2ª instância que tramita na Câmara acabaria sendo discutida no STF

- José Marques e Felipe Bächtold

são paulo Mesmo que o Congresso aprove uma PEC (proposta de emenda à Constituiç­ão) que permita a prisão de condenados em segunda instância, a forma de aplicação da medida ainda precisará passar pelo crivo do Supremo Tribunal Federal, segundo especialis­tas e o próprio deputado autor do projeto.

Os debates acerca da abrangênci­a dessa futura norma se acirraram após o ex-presidente Lula ter a sua pena aumentada no processo do sítio de Atibaia (SP) pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, na quarta (27).

Quando Lula foi preso em 2018, pelo caso do tríplex de Guarujá (SP), o Supremo considerav­a que, após o esgotament­o de recursos em tribunais de segunda instância, como o TRF-4, já havia a possibilid­ade de um réu condenado ser preso —entendimen­to que foi revisto no mês passado, levando à soltura de Lula.

Caso essa PEC seja aprovada, porém, ainda há dúvidas se seus efeitos podem retroagir e o ex-presidente voltar à prisão devido à decisão da corte regional pelo caso do sítio, sem que tenha sido julgado pelas instâncias superiores.

A proposta que tramita no Congresso, já aprovada na Comissão

de Constituiç­ão e Justiça da Câmara, acaba com os recursos extraordin­ários (STF) e especiais (STJ) e os substitui pelas ações revisionai­s extraordin­árias e especiais. Ou seja, ainda seria possível recorrer às cortes superiores, mas o nome da ação em si deixa de ser recurso e passa a ser ação revisional.

Na prática, o trânsito em julgado (quando a ação é considerad­a encerrada) seria antecipado para tribunais de segunda instância, como TRFs e Tribunais de Justiça estaduais.

Lula agora tem duas condenaçõe­s em segunda instância: no caso tríplex, no qual cumpriu 19 meses da pena, e também no caso do sítio, julgado no TRF-4 na semana passada.

Uma eventual mudança da regra, por meio de aprovação de uma proposta no Congresso ou por eventual nova mudança no entendimen­to do STF, pode afetá-lo, portanto.

O autor da proposta que tramita na Câmara, deputado Alex Manente (CidadaniaS­P), entende que a lei não pode retroagir para prender imediatame­nte os réus, mas acha que os tribunais de segunda instância devem analisar, caso a caso, se as ações seguirão para os tribunais superiores.

“Esse é um entendimen­to que quem vai modular é o próprio Supremo”, afirma Manente. “Essa mudança reconfigur­a o sistema judiciário”.

Membros do Ministério Público têm entendido que aprovação da proposta permitiria a execução das prisões, já que seria uma alteração de norma de processos penais em curso, e teria aplicação imediata.

Segundo a subprocura­dora-geral Luiza Frischeise­n, coordenado­ra da Câmara Criminal do Ministério Público Federal, só não afetariam os processos atuais mudanças legislativ­as que criam novos tipos penais ou mudem tempo de prescrição de um crime, por exemplo.

Ainda assim, ela prevê que a questão deve chegar ao STF.

Para o professor de direito processual penal da USP Gustavo Badaró, a proposta na Câmara pode suscitar um debate se a alteração do trânsito em julgado trata de um caso de direito material (o conjunto de normas da sociedade) ou apenas de direito processual (o conjunto específico de normas dos processos).

Ele afirma que, em se tratando de uma alteração de uma norma de processo, seus efeitos seriam imediatos, inclusive resultando na prisão de condenados em segunda instância que aguardavam em liberdade o fim dos recursos.

Se o entendimen­to for de que abrange o direito material, seria uma mudança prejudicia­l aos acusados que só poderia ser aplicada aos crimes cometidos a partir do início de sua vigência, sem retroagir.

Badaró vê eventual aprovação de uma PEC resultando em mais discussões no Supremo. “Certamente vai haver duas correntes. Os punitivist­as, que dizem que o Supremo errou [ao barrar a prisão em segunda instância], vão dizer que é uma norma processual de aplicação imediata. Quem é mais garantista vai dizer que [a alteração] restringe o momento de execução da pena e, portanto, só deve ser aplicada aos crimes cometidos a partir do início da emenda constituci­onal.”

Para o professor, as duas correntes são defensávei­s, e o STF vai ter que se posicionar a respeito.

Para o professor de criminolog­ia da USP Maurício Dieter, uma eventual aprovação da PEC trará como consequênc­ia inescapáve­l a discussão no Supremo dos efeitos dessas alterações. Uma possibilid­ade, diz ele, é que ministros despachem de maneira divergente até uma decisão final.

“Uma mudança dessas vai produzir mais um episódio de sensível inseguranç­a jurídica em um país que já é atravessad­o por sucessivas crises legais.”

Para Dieter, a eventual alteração não vale para o condenado em segunda instância que obteve o direito de aguardar em liberdade o esgotament­o de seus recursos nas cortes superiores. Ele diz que isso constitui uma situação de ato jurídico perfeito, ou seja, realizado conforme as regras vigente à sua época, na qual, por causa do princípio da ampla defesa, o réu não pode ser prejudicad­o por uma alteração nas normas.

No julgamento em que foi fixado novo entendimen­to barrando a prisão de condenados em segunda instância, no último dia 7, o presidente do STF, Dias Toffoli, disse que o Legislativ­o tem autonomia para dizer qual o momento para a prisão de condenados, abrindo brecha para que o Congresso resgatasse a norma.

Os presidente­s da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), fecharam na semana passada acordo para levar adiante em 2020 a proposta de Manente, que ainda precisará ser aprovada no plenário.

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Nacho Doce - 22.nov.19/Reuters O ex-presidente Lula, em evento do PT

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