Folha de S.Paulo

No Congresso, disputa por Chico Xavier gera impasse e mediação

Deputado e senador apresentar­am projetos quase iguais para homenagear ícone do espiritism­o e buscaram saída harmônica inspirada no médium para resolver o impasse

- Joelmir Tavares

são paulo Em um Congresso notoriamen­te evangélico, o líder espírita Chico Xavier parece estar em alta. Tão em alta que dois projetos com o mesmíssimo objetivo de homenageá-lo foram apresentad­os quase ao mesmo tempo na Câmara e no Senado —e criaram um impasse.

Com intervalo de seis dias, tanto o senador Eduardo Girão (Podemos-CE), kardecista convicto, quanto o deputado federal Franco Cartafina (PP-MG), “grande admirador do espiritism­o”, propuseram criar no Brasil a capital nacional da mediunidad­e, só que escolheram duas cidades diferentes para o título.

Girão, o primeiro a protocolar o texto, queria conceder a alcunha ao município mineiro de Pedro Leopoldo, onde o médium nasceu, em 1910.

Cartafina, por sua vez, tentou dar a nomenclatu­ra a Uberaba, cidade de Minas onde Chico morreu, em 2002, e desenvolve­u sua carreira e obras de caridade. É também a base eleitoral do parlamenta­r.

Instalado o conflito de propósitos, um outro mineiro entrou em cena. O senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), designado relator do projeto de Girão, detectou a sobreposiç­ão. Considerou ser impossível a tramitação de projetos que eram, afinal, conflitant­es.

No início do mês passado, Anastasia chamou os dois colegas de Parlamento para uma negociação com finalidade apaziguado­ra.

Cartafina aceitou ceder e deixar em discussão só o projeto de Girão, que contempla Pedro Leopoldo. No entanto, não desistiu de fazer algo para relacionar sua terra natal ao famoso médium.

Fez-se a solução: o deputado passou a buscar que Uberaba seja reconhecid­a não mais a capital nacional da mediunidad­e, mas da psicografi­a. Bastou reciclar seu projeto anterior, mexer levemente no conteúdo e alterar o enunciado.

Cartafina chamou de “uma coincidênc­ia” a duplicidad­e de propostas que existia antes. Girão preferiu caracteriz­ar como “sincronici­dade” a chegada simultânea ao Congresso de textos tão parecidos.

Os dois municípios têm um caso de rivalidade que se desenrola nos últimos anos.

Uberaba sediava a entrega anual da Comenda da Paz Chico Xavier, instituída pelo governo mineiro em 1999, mas um movimento em 2011 para transferir o evento a Pedro Leopoldo inaugurou a pendenga.

Desde 2016, por força de lei, os municípios passaram a se alternar como palco da honraria. Em ambos há museus em homenagem àquele que é considerad­o o maior nome do espiritism­o no Brasil.

“Parece que há uma certa rixa entre as cidades”, diz Anastasia. “Quando o senador Girão me pediu para ser relator, por eu ser mineiro, eu já antevi a chance de ser apresentad­o algum outro projeto”, segue ele, que foi governador de Minas (2010-2014).

Os envolvidos, no entanto, sustentam que a saída para o imbróglio foi salomônica, à moda das mensagens transmitid­as por Chico Xavier.

“Quem conhece a doutrina espírita sabe que a última coisa que o Chico gostaria que existisse seria algum tipo de competição, rivalidade ou briga”, afirma Cartafina.

De acordo com o deputado, a tramitação concomitan­te de ambos os projetos até poderia continuar, mas em algum momento um dos dois acabaria sendo vetado.

“Aí buscamos esse caminho de harmonia. Para que em hora nenhuma fosse criado qualquer tipo de embate, mesmo que por um motivo bem-intenciona­do.”

O foco sobre a psicografi­a na nova versão do projeto, de acordo com ele, vai valorizar “esse trabalho tão importante, que dá um acalento a tantas famílias que buscam uma forma de se comunicar com um ente querido que já se encontra no plano espiritual”.

Cartafina também é autor de um projeto para incluir o nome de Chico Xavier no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. Ele diz não ser praticante da doutrina, mas frequenta centros espíritas para

“Meu objetivo é incentivar uma cultura de paz, estimular o turismo

Eduardo Girão senador pelo Podemos-CE

“Quem conhece a doutrina espírita sabe que a última coisa que o Chico gostaria que existisse seria algum tipo de competição

Franco Cartafina deputado federal pelo PP-MG

tomar passes e faz doações.

Já Girão é adepto entusiasma­do: costuma postar mensagens religiosas em suas redes sociais, finalizada­s com a hashtag #pacifistas. Em maio, comandou no Senado uma sessão em memória dos 150 anos da morte de Allan Kardec.

Ele também é autor de um projeto que confere ao município de Jaguaretam­a (CE) o título de capital nacional do espiritism­o e de outro que estabelece 18 de abril como o Dia Nacional do Espiritism­o.

“Meu objetivo é incentivar uma cultura de paz, estimular o turismo”, diz Girão.

Dono de um estilo diplomátic­o, o católico Anastasia não deixou de se divertir com a situação. Ele disse, depois de resolvida a confusão, que a rotina parlamenta­r às vezes reserva tarefas inusitadas.

“As pessoas acham que aqui é tudo briga política, mas é o contrário: a gente tem que fazer construçõe­s, conciliaçõ­es. Em um momento no qual o Brasil vive tantos conflitos, é importante destacar alguém que pregou a paz.”

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