Vamos aproveitar a destruição dos atos para fazer diferente
Vice-prefeita de Barcelona afirma que cidade está sendo recuperada rapidamente após onda de manifestações
são paulo Barcelona segue avançando na ideia de ser uma cidade mais amigável aos pedestres. E os protestos pela independência da Catalunha têm ajudado indiretamente.
“Vamos aproveitar [a reconstrução] e fazer diferente, de modo que ali não passem carros”, diz Janet Sanz, viceprefeita e secretária de urbanismo, mobilidade e ecologia.
A prefeitura tem criado “superilhas”: blocos de até nove quarteirões com ruas fechadas aos carros, com bancos, mesas e estruturas no asfalto, para aproveitar a cidade a pé.
Novos bloqueios aos carros estão a caminho: em janeiro, entra em vigor um veto a automóveis com mais de 20 anos, e há planos de reduzir a velocidade máxima para 30 km/h em 90% das ruas.
Formada em direito e em administração, Janet, 35, conversou com a Folha em São Paulo. Temos muito trabalho a fazer em Barcelona, mas aqui há muito mais. Não saberia por onde começar”, disse.
* Como tem sido o trabalho para recuperar Barcelona depois
dos protestos? Está sendo rápido. Foram queimados mais de mil contêineres [de lixo] em uma semana. Até o fim do ano, estarão todos repostos. Eu estou aproveitando: como desmontaram uma rua, tiraram os tachões, eu disse: não voltem a recolocá-los. Vamos aproveitar para fazer diferente, de modo que ali não passem carros. Estamos implantando um modelo novo de cidade, verde e sustentável, e aproveitamos qualquer oportunidade como essa.
Como anda o modelo das “superilhas”? Há cinco já criadas, e vamos fazer todas as possíveis. Meu objetivo é que Barcelona seja uma superilha, um espaço para que as pessoas brinquem e vivam nas ruas. Somos uma cidade mediterrânea, faz muito sol, e as pessoas vão para a rua.
Há um processo participativo que dura um ano. Os vizinhos dizem: quero algo para crianças aqui, um banco porque quando venho do mercado, quero sentar. Pintamos eles no solo, de modo provisório, e as pessoas começam a usar. E vamos mudando, até definir o modo permanente.
Que outras medidas estão
nos planos? Em 1º de janeiro, será proibido que carros a gasolina emplacados a partir de 2000, e os a diesel de antes de 2006, entrem na cidade. Isso reduzirá a circulação de 125 mil carros de um golpe só.
A intenção é ir ampliando essa restrição. Também queremos que 90% das ruas tenham limite de 30 km/h. Me explicaram que em São Paulo morrem quase mil pessoas ao ano no trânsito [foram 884 na cidade em 2018]. É inaceitável. Nós temos 30 ao ano, e me parece uma barbaridade.
Haverá contrapartidas ao bloqueio? Sim, se você tem um carro velho e abrir mão dele, te damos um cartão que dá direito a usar todo o transporte público gratuitamente. Mas é preciso ter o compromisso de não comprar outro veículo por três anos. Já levamos 6.000 pessoas a essa mudança.
E as patinetes? As companhias de compartilhamento estão proibidas. Você pode ter uma patinete e usá-la, mas não vai encontrá-las jogados pelas ruas. Temos coisas demais no espaço público, e não dá para tudo.
E o Uber? É uma plataforma internacional. Elas chegam, fazem que tanto faz para como funcionam as coisas, e começam a operar. Aqui dissemos “não, temos regras”. Houve um conflito enorme com os táxis, que bloquearam Barcelona por três meses, e nos colocamos ao lado dos táxis. Fizemos uma regulação de que o serviço de Uber não pode ser pedido de imediato. Devese reservar uma hora antes.
Estar em uma região autônoma, como a Catalunha, ajuda a
fazer mudanças radicais? As prefeituras são as administrações mais precária. Não temos recursos. Nosso objetivo é que as cidades tenham mais recursos e poder de decisão. Temos montado uma espécie de força-tarefa, ao lado de Amsterdã, Paris, Copenhague, Londres e Nova York porque temos os mesmos problemas.
Como avalia São Paulo? A cidade me pareceu incrível. Mas senti um horror com a estrutura viária. A sensação é que o trabalho a fazer aqui é enorme, não saberia por onde começar. As estruturas viárias são uma barbaridade, não privilegiam as pessoas, contaminam o entorno e geram zonas urbanas degradadas. Há que se fazer mais pelo transporte público e gerar segurança para quem pedala.
A sra. defende um “urbanismo feminista”. Como o define? Quem faz as cidades? Homem, branco, de meia-idade, que tem trabalho e é de classe média. O espaço público tem que ser das crianças, dos mais velhos, das mulheres. Nem todo mundo vai o tempo todo para o trabalho. É preciso ter espaços para criar comunidade, sentar e falar, dividir com os vizinhos. Feminismo é incorporar todos no planejamento urbano.