Folha de S.Paulo

Vamos aproveitar a destruição dos atos para fazer diferente

Vice-prefeita de Barcelona afirma que cidade está sendo recuperada rapidament­e após onda de manifestaç­ões

- Rafael Balago

são paulo Barcelona segue avançando na ideia de ser uma cidade mais amigável aos pedestres. E os protestos pela independên­cia da Catalunha têm ajudado indiretame­nte.

“Vamos aproveitar [a reconstruç­ão] e fazer diferente, de modo que ali não passem carros”, diz Janet Sanz, viceprefei­ta e secretária de urbanismo, mobilidade e ecologia.

A prefeitura tem criado “superilhas”: blocos de até nove quarteirõe­s com ruas fechadas aos carros, com bancos, mesas e estruturas no asfalto, para aproveitar a cidade a pé.

Novos bloqueios aos carros estão a caminho: em janeiro, entra em vigor um veto a automóveis com mais de 20 anos, e há planos de reduzir a velocidade máxima para 30 km/h em 90% das ruas.

Formada em direito e em administra­ção, Janet, 35, conversou com a Folha em São Paulo. Temos muito trabalho a fazer em Barcelona, mas aqui há muito mais. Não saberia por onde começar”, disse.

* Como tem sido o trabalho para recuperar Barcelona depois

dos protestos? Está sendo rápido. Foram queimados mais de mil contêinere­s [de lixo] em uma semana. Até o fim do ano, estarão todos repostos. Eu estou aproveitan­do: como desmontara­m uma rua, tiraram os tachões, eu disse: não voltem a recolocá-los. Vamos aproveitar para fazer diferente, de modo que ali não passem carros. Estamos implantand­o um modelo novo de cidade, verde e sustentáve­l, e aproveitam­os qualquer oportunida­de como essa.

Como anda o modelo das “superilhas”? Há cinco já criadas, e vamos fazer todas as possíveis. Meu objetivo é que Barcelona seja uma superilha, um espaço para que as pessoas brinquem e vivam nas ruas. Somos uma cidade mediterrân­ea, faz muito sol, e as pessoas vão para a rua.

Há um processo participat­ivo que dura um ano. Os vizinhos dizem: quero algo para crianças aqui, um banco porque quando venho do mercado, quero sentar. Pintamos eles no solo, de modo provisório, e as pessoas começam a usar. E vamos mudando, até definir o modo permanente.

Que outras medidas estão

nos planos? Em 1º de janeiro, será proibido que carros a gasolina emplacados a partir de 2000, e os a diesel de antes de 2006, entrem na cidade. Isso reduzirá a circulação de 125 mil carros de um golpe só.

A intenção é ir ampliando essa restrição. Também queremos que 90% das ruas tenham limite de 30 km/h. Me explicaram que em São Paulo morrem quase mil pessoas ao ano no trânsito [foram 884 na cidade em 2018]. É inaceitáve­l. Nós temos 30 ao ano, e me parece uma barbaridad­e.

Haverá contrapart­idas ao bloqueio? Sim, se você tem um carro velho e abrir mão dele, te damos um cartão que dá direito a usar todo o transporte público gratuitame­nte. Mas é preciso ter o compromiss­o de não comprar outro veículo por três anos. Já levamos 6.000 pessoas a essa mudança.

E as patinetes? As companhias de compartilh­amento estão proibidas. Você pode ter uma patinete e usá-la, mas não vai encontrá-las jogados pelas ruas. Temos coisas demais no espaço público, e não dá para tudo.

E o Uber? É uma plataforma internacio­nal. Elas chegam, fazem que tanto faz para como funcionam as coisas, e começam a operar. Aqui dissemos “não, temos regras”. Houve um conflito enorme com os táxis, que bloquearam Barcelona por três meses, e nos colocamos ao lado dos táxis. Fizemos uma regulação de que o serviço de Uber não pode ser pedido de imediato. Devese reservar uma hora antes.

Estar em uma região autônoma, como a Catalunha, ajuda a

fazer mudanças radicais? As prefeitura­s são as administra­ções mais precária. Não temos recursos. Nosso objetivo é que as cidades tenham mais recursos e poder de decisão. Temos montado uma espécie de força-tarefa, ao lado de Amsterdã, Paris, Copenhague, Londres e Nova York porque temos os mesmos problemas.

Como avalia São Paulo? A cidade me pareceu incrível. Mas senti um horror com a estrutura viária. A sensação é que o trabalho a fazer aqui é enorme, não saberia por onde começar. As estruturas viárias são uma barbaridad­e, não privilegia­m as pessoas, contaminam o entorno e geram zonas urbanas degradadas. Há que se fazer mais pelo transporte público e gerar segurança para quem pedala.

A sra. defende um “urbanismo feminista”. Como o define? Quem faz as cidades? Homem, branco, de meia-idade, que tem trabalho e é de classe média. O espaço público tem que ser das crianças, dos mais velhos, das mulheres. Nem todo mundo vai o tempo todo para o trabalho. É preciso ter espaços para criar comunidade, sentar e falar, dividir com os vizinhos. Feminismo é incorporar todos no planejamen­to urbano.

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Pau Barrena - 17.out.2019/AFP Manifestan­tes queimam barricadas em protesto em Barcelona
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Formada em ciência política, administra­ção e direito pela Universita­t Pompeu Fabra (Espanha). É conselheir­a (equivalent­e a vereadora) de Barcelona desde 2011, e também vice-prefeita e secretária de ecologia, mobilidade e urbanismo. Filiada ao partido Barcelona En Comú.
Janet Sanz Formada em ciência política, administra­ção e direito pela Universita­t Pompeu Fabra (Espanha). É conselheir­a (equivalent­e a vereadora) de Barcelona desde 2011, e também vice-prefeita e secretária de ecologia, mobilidade e urbanismo. Filiada ao partido Barcelona En Comú.

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