Folha de S.Paulo

Vitória contra padres abusadores

Corte Argentina condenou religiosos por estupro de crianças surdas e mudas

- Correspond­ente em Buenos Aires, foi editora da Ilustrada e participou do programa Knight-Wallace da Universida­de de Michigan Sylvia Colombo

Num julgamento histórico na Argentina, dois padres da Igreja Católica, Horacio Corbacho, 59, e Nicola Corradi, 83, foram condenados pela Justiça a 45 e 42 anos de prisão, respectiva­mente, por abusar sexualment­e de menores de idade no Instituto Próvolo —entidade religiosa destinada ao cuidado de menores de idade surdos e mudos.

A sentença foi comemorada por vítimas e seus familiares, que choraram e se

abraçaram diante do tribunal, em Mendoza.

Trata-se de uma novela terrível a que os argentinos assistem há alguns anos, desde que as primeiras denúncias vieram à luz, em 2015.

Chegaram por meio de uma associação de vítimas de padres abusadores, de Washington, que vinha tentando descobrir o paradeiro de Corradi, procurado pela Justiça italiana desde os anos 60 por acusações de estupro quando

trabalhava no Instituto Próvolo de Verona.

Na época, a Igreja, em vez de entregá-lo às autoridade­s ou de puni-lo internamen­te, enviou-o para a Argentina, na esperança de que não fosse encontrado. Mas foi.

Não tanto pela eficiência dos que o buscavam, mas porque, uma vez na Argentina, Corradi seguiu praticando os mesmos delitos, desta vez com a ajuda de Corbacho, de freiras e de um jardineiro que trabalhava­m na entidade.

Em 2017, fiz contato com algumas vítimas para uma reportagem. Os relatos eram terríveis. Contaram que os abusos ocorriam de noite, quando os religiosos entravam de surpresa nos quartos e estupravam os menores de idade.

Às vezes, as crianças eram levadas em dupla para que praticasse­m sexo oral diante de Corradi. Uma das mães desesperou-se ao relatar como se sentiu quando soube, apenas anos depois, o que ocorria ali. Afinal, eram crianças com deficiênci­as auditivas e de fala, ou seja, a sensação de impotência era total, até mesmo para ter coragem e capacidade de relatar o que lhes acontecia.

As vítimas do Próvolo argentino, hoje organizada­s, reclamam mais. Relatam que, em 2014, antes mesmo de chegar o pedido de busca por Corradi desde os EUA, já haviam enviado uma carta ao papa Francisco alertando para os abusos que vinham ocorrendo. Elas querem saber por que o pontífice nunca as respondeu.

Depois da sentença, o porta-voz do Vaticano, Alberto Bochatey, pediu desculpas em nome da Santa Sé pelos abusos cometidos pelos dois religiosos.

Porém,asvítimasn­ãoficaram satisfeita­s. Seguem reunindo denúncias que envolvem outros religiosos —há mais sedes do Próvolo no país— e pedem que a Igreja expulse os padres já condenados.

O papa Francisco, que desde que foi escolhido para o posto não visitou seu país natal, agora tem um novo problema. Havia a possibilid­ade de que viesse, em 2020. Porém, esse escândalo pode fazê-lo passar por maus momentos, assim como ocorreu no Chile, em 2018, quando foi atacado e criticado pela falta de atitude com relação às denúncias contra religiosos pedófilos locais.

Resta saber se ainda assim o pontífice virá a seu país. E, se o fizer, que atitude tomará. As vítimas do Próvolo prometem seguir vigilantes e cobrando investigaç­ões. A eles, o papa ainda deve, mais que palavras, ações.

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