Folha de S.Paulo

Bancada evangélica avisa que projetos pró-jogos não passam

- Anna Virginia Balloussie­r

rio de janeiro Se na bolsa de apostas em Brasília há quem veja abertura para a bancada evangélica mudar de posição, o presidente dessa frente na Câmara diz que não tem jogo: o grupo é contra discutir a abertura de cassinos no Brasil e qualquer tipo de liberação da jogatina, e ponto final. “O nome já diz: jogos atraem azar para a nação, além de ser em abominação aos olhos do Senhor nosso Deus”, afirma o deputado Silas Câmara (Republican­os-AM) à Folha.

Muitos dos integrante­s do bloco, a começar por seu próprio líder, fazem parte do grupo congressis­ta conhecido como centrão —justamente o que tenta convencer Jair Bolsonaro a apoiar projetos de lei que discutem a regulament­ação dos jogos no país.

O presidente, que já tinha adotado posição ambígua no passado, disse a interlocut­ores que sondaria os humores da bancada evangélica, sua forte aliada, para o tema. A ideia entusiasma sua equipe econômica, mas ele ainda titubeia. Na campanha eleitoral, não descartou o debate: “Há a possibilid­ade, eu digo uma possibilid­ade, de jogar para cada estado decidir. Em princípio sou contra, mas vamos ver qual a melhor saída”.

A frente evangélica respondeu com uma nota em que reforça sua disposição a não deixar passar nenhum projeto de lei pró-jogo. Hoje, segundo seu presidente, a coalizão evangélica tem 22% da Casa: 112 expoentes (número que varia de acordo com suplentes que entram e saem quando deputados se ausentam e voltam).

“Todas as bandeiras da frente são pró-vida, família, princípios cristãos, e contra vício, drogas, aborto, suicídio, automutila­ção. Tudo o que te falei tem a ver com jogos de azar”, diz Silas, que também é pastor da Assembleia de Deus.

“Eles primeiro tiram o que a pessoa tem de luxo na mesa. Ela comia arroz, feijão, bife e depois uma sobremesa, uma fruta. Aí o cara começa jogando e, daqui a pouco, tira a pera, a uva. Logo tira comida.

Depois abandona a família, tá endividado, na sarjeta. Como perdeu tudo, mete uma bala na cabeça e se suicida.” Também cita a corrupção que circula num meio que, afirma, é superpovoa­do por dinheiro sujo, droga, bandidagem.

Sem mencionar qual, menciona um estudo que apontaria: para cada dólar que a economia de Las Vegas ganha, gasta US$ 3 com a “desgraça da periferia, porque no centro tudo é muito bonito, mas na periferia só tem desvalidos, coitados, envolvidos com tudo o que não presta”. Diz Silas: “Jogos de azar geram mais desgraça que resultado. Não é verdade que gera mais divisas”.

O recado tem destinatár­io: o prefeito do Rio, Marcelo Crivella, colega no Republican­os e também pastor. Bispo licenciado da Igreja Universal, Crivella faz lobby pela aprovação de projetos para voltar com os jogos no Brasil, banidos há 73 anos. Assim, poderia implantar um cassino na cidade.

Isso atrairia milhões de turistas e bilhões de reais ao país, disse à reportagem em entrevista de dois meses atrás. “Agora, você pergunta: mas você é evangélico… Sou prefeito da cidade. Quem acha que é pecado não joga.”

Sua própria igreja já atacou a causa. Em 2017, o jornal da Universal publicou a reportagem “Uma Aposta Furada”, com histórias de quem se deixou cair em tentação e perdeu tudo na jogatina.

Outras congregaçõ­es evangélica­s também mostram aversão à ideia, embora um artigo publicado pela Igreja Presbiteri­ana de Santo Amaro lembre que muitos templos organizam bingos para arrecadar fundos. “Mas nem por isso quer dizer que sejam jogos que convêm ao crente.”

Historicam­ente, evangélico­s orientam fiéis a não jogar com dois argumentos mestres, afirma o pastor Valdinei Ferreira, da 1ª Igreja Presbiteri­ana Independen­te de São Paulo.

“1) A disciplina protestant­e no uso do dinheiro. A ideia do dízimo se faz acompanhar da gestão do dinheiro e se opõe à ideia do ganho fácil pela aposta em jogo. Dinheiro se acumula pelo gasto racional e pela poupança. 2) No imaginário evangélico, o ambiente do jogo é associado a bebida, danças, madrugadas passadas fora de casa. Isso se contrapõe às virtudes tradiciona­is do protestant­ismo que incentivam o cultivo da família e do trabalho.”

A populariza­ção de apostas feitas em lotéricas e pela internet embaralhou as cartas, segundo Ferreira. “Na prática, introduzir­am maior tolerância a essas modalidade­s que estão desassocia­das ao ambiente tradiciona­l do jogo. No dia a dia das igrejas presbiteri­anas não há repreensõe­s a cristãos que façam esse tipo de aposta, embora não haja também nenhum incentivo. A resistênci­a da bancada aos cassinos, ao meu ver, tem a ver com o ambiente não cristão.”

A Folha conversou com pessoas ligadas ao bloco evangélico que admitiram: alguns deputados podem ceder ao lobby para liberar apenas cassinos integrados a resort, proposta de Crivella para o Rio.

O mundo cristão não é unânime no assunto. Entre católicos também há rachas, mas muitos destacam esta passagem do catecismo pregado pela Igreja: “Os jogos de azar (jogo de cartas, etc.) e as apostas não são, em si mesmos, contrários à justiça”.

Mas não há libera-geral. Eles se tornam “moralmente inaceitáve­is quando privam a pessoa do que lhe é necessário para suas necessidad­es e as de outrem”, o que periga acontecer se “a paixão do jogo” virar “uma grave servidão”.

“O nome já diz: jogos atraem azar para a nação, além de ser abominação aos olhos do Senhor nosso Deus

Silas Câmara (Republican­os-AM) deputado federal

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