Folha de S.Paulo

Botafogo 1, futebol brasileiro 0

Nome do clube serve tanto para próprio quanto como apelido do deputado

- Juca Kfouri Jornalista e autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP

O projeto de Rodrigo Maia para os clubes se transforma­rem em empresas foi aprovado com apoio geral na Câmara dos Deputados, com a honrosa exceção do PSOL.

Precisará ainda da aprovação no Senado, onde tramita também uma proposta muito melhor, a da Sociedade Anônima do Futebol (SAF), mas nada indica que a Casa contrarie o deputado carioca, torcedor do Botafogo e apelidado com o nome do clube, segundo revelou a Lava Jato.

No fundo é isso: está em vias de ser aprovada nova legislação, depois da Timemania e do Profut, com a finalidade de dar mais tempo para clubes endividado­s, como o Glorioso, e empurrar os débitos com a barriga, à espera de que daqui a algum tempo outro texto legal o socorra.

Basta dizer que, ao se transforma­r em empresa e se esta vier a falir, todos os direitos voltam ao clube, e a empresa, ao pedir recuperaçã­o judicial, reduzirá o valor da dívida.

Muda-se para não mudar e, numa palavra, calotear. Dificilmen­te

alguém investirá um tostão nesse cenário, mas isso pouco importa, o clube vira empresa assim, mesmo com seus próprios cartolas, como o Botafogo fará para, depois, dar o golpe.

A única derrota da marotagem acabou por ser a exclusão da jogatina que entrava como contraband­o na lei, proposta por Pedro Trengrouse —discípulo de quem presidiu a Ferj, o falecido Caixa D’Água—, mas barrada pela bancada evangélica.

Truque mal-sucedido de quem visita uma universida­de no exterior como aluno e depois se apresenta como “professor visitante” ou se autointitu­la consultor da ONU.

O futebol segue sendo maltratado no Brasil até por quem aparenta gostar dele.

Entra governo, sai governo, e nada muda ou muda para pior, apesar de o atual desgoverno sinalizar ser contra o projeto aprovado nesta última quarta-feira (27).

Caminhou-se adiante no governo FHC graças, inicialmen­te, à Lei Pelé e, depois, aos insistente­s esforços de José Luiz Portella na condução do Estatuto do Torcedor e da chamada Lei de Moralizaçã­o do Esporte, textos que foram invariavel­mente prejudicad­os ao serem regulament­ados.

Hoje o que se vê é a política rasteira prevalecer sobre o interesse público.

Os discursos em apoio ao projeto de Maia, tanto do exministro do Esporte, Orlando Silva (PCdoB-SP), como de parlamenta­res dos demais partidos, do “Novo”, inclusive, foram de dar vergonha pelo cinismo, pela dissimulaç­ão e também pela subserviên­cia ao presidente da Câmara.

Porque o futebol é, nessas cabeças, assunto pelo qual não vale a pena lutar, sob o risco de perder espaço com o poderoso parlamenta­r.

A campanha para aprovar o texto encomendad­o por Maia passou até por artigo, no jornal Valor, de coautor do projeto que não se identifico­u como tal, apenas com o intuito de desqualifi­car a SAF, cujos idealizado­res, os advogados Rodrigo R. Monteiro de Castro e José Francisco Manssur, ao contrário, sempre estiveram de peito aberto em defesa da tese, além de terem experiênci­a clubística.

O futebol brasileiro está perdendo mais uma oportunida­de de se modernizar, de adentrar o século 21. Se não bastasse a repetição de erros já cometidos, o açodamento para aprovar o projeto em regime de “urgência urgentíssi­ma” dá a medida das intenções ocultas, porque não há nada que justificas­se tamanha pressa.

Rodrigo Maia quer entrar para história botafoguen­se como Mané Garrincha.

Ao driblar o que seria correto, entrará só como um mané qualquer, um Agnelo Queiroz.

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