Folha de S.Paulo

Conferênci­a do clima fica sem estande brasileiro

Conferênci­a da ONU em Madri vai discutir compra e venda do direito de emitir gases do efeito estufa

- Ana Carolina Amaral

O governo de Jair Bolsonaro estreia na Conferênci­a do Clima da ONU sob holofotes internacio­nais, mas sem um estande para divulgar as ações do país em um dos pavilhões, como normalment­e ocorria. É a mesma situação já vivida pela delegação americana sob Donald Trump.

O Brasil deve ser cobrado durante o evento, que começa nesta segunda-feira em Madri.

santarém (pa) O governo Bolsonaro estreia na Conferênci­a do Clima da ONU (COP-25), que começa nesta segunda (2) em Madri, sob holofotes internacio­nais, mas sem um estande para divulgar as ações do país. O mesmo ocorreu na estreia da delegação dos EUA sob o comando de Donald Trump na COP-23, em 2017. Em ambos os casos, organizaçõ­es da sociedade civil ganham destaque como representa­ntes dos países.

A COP é o espaço no qual os países decidem como vão implementa­r as regras do Acordo de Paris, cujo objetivo é limitar o aqueciment­o do planeta por meio da redução de emissão de gases causadores do efeito estufa.

Organizado pelo ICS (Instituto Clima e Sociedade) e pelo Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), o espaço Hub de Ação Climática Brasileira reunirá eventos organizado­s por associaçõe­s do setor privado, universida­des, ONGs e empresas brasileira­s.

Enquanto o governo Bolsonaro promete levar à conferênci­a propostas de novos mecanismos de financiame­nto internacio­nal para a conservaçã­o ambiental, diplomatas, imprensa e ONGs de todo o mundo devem aumentar a cobrança sobre a execução das políticas do governo.

A pressão aumenta com a acusação feita pela Polícia Civil de brigadista­s voluntário­s terem causado incêndios em Alter do Chão (PA). Organizaçõ­es internacio­nais já prepararam manifestos alertando sobre a gravidade da situação para a segurança das comunidade­s da Amazônia e para a democracia brasileira.

A alta no preço da carne também deve repercutir na COP, já que a pecuária é cobrada pela alta participaç­ão nas emissões de gases-estufa

Por outro lado, ainda se espera cumplicida­de ambiental do setor agropecuár­io brasileiro , que defendeu no início do ano a permanênci­a do Brasil no Acordo de Paris e depende da imagem de comprometi­mento ambiental para manter exportaçõe­s para países desenvolvi­dos.

O aumento de eventos climáticos extremos, como secas severas e inundações, também fragiliza o setor. A produtivid­ade agrícola pode cair em até 17% no mundo, segundo estudo do WRI (World Resources Institute).

O Brasil, um dos que mais podem sofrer economicam­ente por causa das mudanças climáticas, segundo a pesquisa, já teria instrument­os para responder à crise, como os programas de restauraçã­o da vegetação nativa (PlanaVeg) e o programa Agricultur­a de Baixo Carbono.

O que não está claro, contudo, é o compromiss­o do atual governo na implementa­ção desses programas, criados em gestões passadas. Esses esforços anteriores têm sido usados como argumento em negociaçõe­s internacio­nais para pedir doações para o país.

Em tentativa de demonstrar compromiss­o do governo com as florestas, Bolsonaro publicou na última sexta (29) um pacote de decretos com a criação de comissão para combater o desmatamen­to ilegal e a reconstitu­ição da comissão do Redd+ (Redução das Emissões de gases provenient­es do Desmatamen­to e da Degradação Florestal), que havia sido extinta junto a dezenas de outros conselhos em abril.

Não é só por conta das crises ambientais ocorridas durante o governo Bolsonaro (desmatamen­to, queimadas, vazamento de óleo) que o país deve chamar atenção na COP. Ainda no governo Temer, o Brasil foi responsáve­l por uma pendência na regulament­ação do Acordo de Paris. O país bloqueou o final da conferênci­a no último ano por discordar das regras sobre o mercado de carbono.

Nos próximos dias, o principal esforço diplomátic­o será em torno de definir as regras sobre como empresas e países podem negociar internacio­nalmente seus créditos de carbono —mecanismo que permite a venda do direito de emitir gases-estufa por partes que tenham comprovado redução de suas emissões para além das metas.

A expectativ­a nos bastidores é de que a diplomacia brasileira chegue a um acordo para garantir que projetos de créditos de carbono inscritos no acordo climático anterior a Paris, o Protocolo de Kyoto, continuem válidos.

Para conseguir isso, o Brasil deve ceder num ponto importante. O país chegou a propor que as reduções de emissões de gases-estufa negociadas em um mercado de carbono internacio­nal não precisasse­m ser reportadas nas comunicaçõ­es dos países sobre suas contribuiç­ões para o Acordo de Paris.

Com a proposta, feita no último ano, o país ficou isolado e foi acusado de facilitar trapaças e contagem dupla, já que um mesmo esforço de redução de emissão poderia ser contabiliz­ado duas vezes, nos relatórios do país que fez a ação e daquele que comprou o crédito.

Setor privado e ONGs discordam da posição do Itamaraty, que quer deixar de fora do mercado de carbono o setor florestal. Uma das razões para isso está no fato da venda créditos do setor implicar em uma necessidad­e de aumento dos esforços do governo para redução do desmatamen­to.

A briga entre as alas ideológica e de mercado do governo Bolsonaro deve se refletir na COP, cuja negociação é comandada pelo Itamaraty em conjunto com o Ministério do Meio Ambiente.

A expectativ­a de que a eleição de um governo pró-mercado mudaria a posição sobre o mercado de carbono florestal arrefeceu na gestão do chanceler Ernesto Araújo, declaradam­ente cético sobre a ocorrência do aqueciment­o global e que esvaziou o setor que lidava com a diplomacia climática dentro do Ministério de Relações Exteriores.

Se for bem-sucedida, a barganha brasileira sobre as regras do mercado de carbono deve fechar o livro de regras bem em cima do prazo. Os países passam a ser cobrados pela implementa­ção do Acordo de Paris a partir de 2020.

Madri é a terceira sede confirmada pela ONU para o mesmo evento. Há um ano, o Chile aceitava sediar a Conferênci­a do Clima após a desistênci­a do Brasil após um pedido de Bolsonaro, então recémeleit­o, feito a Temer. A última mudança aconteceu em decorrênci­a dos recentes protestos no país andino.

A COP (Conferênci­a das Partes, na sigla em inglês) é parte da convenção do clima criada no Brasil em 1992, durante a conferênci­a da ONU sobre desenvolvi­mento sustentáve­l que ficou conhecida como Rio 92 ou Eco 92.

 ?? Gabriel Bouys/AFP ?? Em Madri ativistas protestam contra o consumo de carne; pecuária é uma das causadoras do efeito estufa
Gabriel Bouys/AFP Em Madri ativistas protestam contra o consumo de carne; pecuária é uma das causadoras do efeito estufa
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Reprodução/Twitter Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em reunião o com António Guterres, secretário geral da ONU

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