Folha de S.Paulo

Mostra em SP expõe 35 obras do artista japonês Takashi Murakami

Parceiro do rapper Kanye West e de marcas como Louis Vuitton, artista japonês Takashi Murakami exibe no Brasil obras que se equilibram entre o fofo e o bizarro e entre o autoral e o comercial

- Clara Balbi

são paulo Ele criou uma linha de estampas best-seller para a Louis Vuitton. Colaborou com músicos como Kanye West, Pharrell Williams e Billie Eilish na criação de videoclipe­s e capas de álbuns. Aparece com frequência cercado de modelos como Gigi Hadid e Kaia Gerber no Instagram, onde é seguido por 1,6 milhão de pessoas. E pode ser que apareça no próximo “Star Wars”, que estreia no fim do mês.

O currículo extravagan­te pertence ao artista japonês Takashi Murakami, que abre sua primeira exposição na América do Sul nesta quarta (4), no Instituto Tomie Ohtake.

Comparado a pesos pesados da arte contemporâ­nea global, como Jeff Koons e Damien Hirst, ele compartilh­a com esses artistas o tom irônico e estridente, as relações um tanto incestuosa­s com o mercado, e o verdadeiro exército de funcionári­os que emprega em seu ateliê —listados nos versos de suas telas, eles podem chegar a 90 em alguns dos trabalhos da mostra.

Mas não é bem esse Murakami pop, criador de uma espécie de Mickey Mouse endiabrado e de outros personagen­s no limiar entre o fofo e o bizarro, que transparec­e nas duas salas que ele ocupa no centro cultural paulistano.

A maioria das 35 obras reunidas ali são telas recentes, em que lendas budistas ganham vida nos traços cartunesco­s de Murakami.

São trabalhos como “69 Arhats Sob a Árvore Bodhi” ou “Murakami Arhat Robot”, que mostram “arhats”, pessoas que atingiram o nirvana. Ou uma obra em que um leão repousa sobre uma ponte de crânios que, segundo o curador Gunnar B. Kvaran, organizado­r da mostra, faz referência a um mito em que o animal fecha um acordo com um ramo de peônia para protegê-lo de um inseto.

“A exposição tem um pouco do meu eu antigo e do meu eu atual”, diz Murakami, afirmando que as duas fases são tão distintas quanto água e vinho.

A virada em sua obra, explica o artista, ocorreu em 2011.

Em março daquele ano, um tsunami atingiu a costa leste do Japão e deixou mais de 20 mil mortos. Foi assistindo à cobertura televisiva do desastre, em que crianças recém-órfãs ouviam de repórteres que seus pais tinham virado estrelas, que ele declara ter entendido a importânci­a da religião.

“Quando o ser humano é ferido, ele precisa de uma história. Do contrário, seu espírito se quebra”, diz.

Apesar desta guinada temática, algumas marcas do início de sua trajetória, na Nova York dos anos 1990, permanecem neste conjunto mais recente.

Entre elas, estão o acabamento vinílico e as composiçõe­s hiper-saturadas, ocupando grandes dimensões. Um dos quadros exibidos, por exemplo, tem dez metros de compriment­o por três de largura.

Também a aposta em personagen­s que remetem aos animes japoneses resiste na maneira como ele retrata o universo mítico nipônico.

O último é um ingredient­e central do conceito de “superflat”, que Murakami cunhou para descrever a arte japonesa dos anos 2000. As obras vinculadas à tendência “achatam” (“flatten”) tanto a imagem, que é bidimensio­nal, quanto as distinções entre arte erudita e mídia de massa.

O artista conta que a guinada de volta à tradição também o tem ajudado a se reconectar com o público de seu país, muito crítico ao seu trabalho. Uma exposição em que estampou 500

“arhats” numa tela de cem metros, por exemplo, fez sucesso num museu de Tóquio.

Mas argumenta que essa aproximaçã­o não se converteu num interesse do mercado local pela sua produção —ele estima que 80% de suas vendas sejam para estrangeir­os.

O mercado, aliás, é um tópico central quando se fala de Murakami. Ele não faz distinções entre as telas e esculturas que assina e os produtos que cria em parceria com outras marcas, muitas delas estampando uma florzinha sorridente.

Uma mostra do artista no Museu de Arte Contemporâ­nea de Los Angeles , o Moca, nos Estados Unidos, levou essa ideia ao extremo ao incluir, entre as obras expostas, uma loja de quase cem metros quadrados da Louis Vuitton —marca cuja identidade Murakami ajudou a renovar no início dos anos 2000, quando concebeu uma versão colorida de seu logotipo.

Murakami afirma que a preocupaçã­o com retorno financeiro sempre guiou sua produção. Nascido numa família pobre, de pai taxista e mãe dona de casa, ele conta que se surpreende­u quando foi estudar artes na Universida­de Nacional de Belas Artes e Música de

Tóquio e percebeu que a maioria dos colegas vinha de classes mais abastadas. “Desde então, tenho em mente que preciso fazer dinheiro com o que faço, para sobreviver”, diz.

Também a ideia de empregar dezenas de pessoas para ajudá-lo data dos tempos de faculdade. Ele conta que, na época, trabalhava como freelancer e pagava outros colegas para elaborar seus trabalhos.

Apesar de contratar entre 250 e 300 pessoas, ele nega a comparação entre seu ateliê, lar da empresa Kaikai Kiki Co., e o célebre estúdio nova-iorquino de Andy Warhol. “Warhol criava num ambiente de sexo e drogas. Eu sou aquele tiozinho da fábrica de bairro”, afirma.

Ainda assim, uma certa frustração em relação a um certo circuito artístico transparec­e no discurso de Murakami.

Questionad­o sobre por que demorou tanto a vir ao Brasil, ele fala que teria aceitado um convite da Bienal de São Paulo. “Mas meu perfil não é muito apreciado nesse mundo. Desta vez, tive sorte.”

Murakami por Murakami

Instituto Tomie Ohtake, r. Coropés, 88, Pinheiros, São Paulo. Ter. a dom., das 11h às 20h. Abertura nesta quarta (4). Até 15/3. R$ 12. Ter.: grátis

 ?? Karime Xavier/Folhapress ?? Takashi Murakami, 57 É um dos artistas japoneses mais reconhecid­os internacio­nalmente hoje. Cunhou o termo ‘superflat’ para descrever tanto um estilo pictórico nipônico, com figuras bidimensio­nais, quanto a mistura entre arte erudita e mídia de massa que propõe em sua obra
Karime Xavier/Folhapress Takashi Murakami, 57 É um dos artistas japoneses mais reconhecid­os internacio­nalmente hoje. Cunhou o termo ‘superflat’ para descrever tanto um estilo pictórico nipônico, com figuras bidimensio­nais, quanto a mistura entre arte erudita e mídia de massa que propõe em sua obra

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