Folha de S.Paulo

TJ-SP elege presidente pressionad­o por gastos e futuro de obra bilionária

Três candidatos disputam sucessão de Manoel Pereira Calças; eleito vai manejar orçamento de cerca de R$ 12 bilhões ao ano

- José Marques

são paulo Sob pressão para cortar gastos e definir se retoma o projeto de um prédio bilionário, o Tribunal de Justiça de São Paulo elege nesta quarta-feira (4) seu presidente pelos próximos dois anos.

O futuro chefe da maior corte do Brasil, que será escolhido pelos 360 desembarga­dores, já assumirá com a responsabi­lidade de se adequar a um novo limite de despesas com pessoal imposto pelo Tribunal de Contas do Estado, com base em entendimen­to da Secretaria do Tesouro Nacional.

Três candidatos querem suceder o atual presidente, Manoel Pereira Calças, 69: o vicepresid­ente Artur Marques, 73, tido como principal nome de continuida­de, o corregedor­geral, Geraldo Pinheiro Franco, 63, e o desembarga­dor Carlos Henrique Abrão, 60.

Reservada, a campanha correu de gabinete em gabinete e evitou debates e trocas de ideias públicas. O presidente do tribunal ficará à frente de um orçamento que tem sido próximo de R$ 12 bilhões ao ano.

Pela Lei de Responsabi­lidade Fiscal, o máximo que o Judiciário estadual pode gastar com pessoal anualmente é 6% da receita corrente líquida do estado. No entanto, o cálculo dessa receita era maior até este ano, porque incluía os valores correspond­entes à tributação do Fundeb (fundo de desenvolvi­mento da educação básica) e às emendas parlamenta­res.

Mesmo com esse limite mais alto, o Judiciário paulista teve gastos com pessoal que chegaram a 94% do teto no segundo quadrimest­re deste ano —nível considerad­o de alerta.

O TCE permitiu que a corte se adeque ao novo cálculo até o fim da gestão do próximo presidente. Se, em um ano, essa despesa com funcionári­os ultrapassa­r 95%, haverá uma série de medidas que passam a ser vetadas, como contrataçõ­es e reajustes.

Com 41 mil servidores ativos, 21 mil inativos e um dos maiores percentuai­s em folha de cargos em comissão do Brasil (34%, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça), o futuro presidente terá que equacionar esse gasto e sofrerá pressões do funcionali­smo por reajuste e reposição de vagas.

“Nós vamos bater na reposição salarial do ano e também do passado, que é o mesmo valor que eles deram para eles mesmos, de 13%”, afirma José Gozze, presidente da Assetj (associação de servidores).

“Se eles tiverem dificuldad­e na questão da folha, o caminho será pedir aumento do auxílio-saúde e auxílio-alimentaçã­o, que não fazem parte da folha, são do fundo especial do TJ”, afirma. O auxílio-saúde atual é de R$ 336 e os servidores pedem, no mínimo, R$ 500.

Os três candidatos à presidênci­a foram questionad­os pela Folha sobre o que farão para diminuir as despesas. Eles respondera­m por email.

O vice-presidente, Artur Marques, disse que a solução, que “envolve a impossibil­idade de contrataçã­o”, é “aproveitar ao máximo os recursos de tecnologia da informação, utilizar da inteligênc­ia artificial e capacitar melhor nosso pessoal nessa área”.

Ele diz que o número de funcionári­os tem caído com os anos, assim como a proporção entre ativos e inativos.

“Os nossos serviços dependem significat­ivamente da mão-de-obra e a falta de reposição de servidores tem duplo impacto: o mais visível é o aumento do tempo na tramitação dos processos; o menos visível é o impacto que isso também gera no orçamento destinado ao pagamento de aposentado­rias”, afirma.

Para o corregedor-geral, Geraldo Pinheiro Franco, “será preciso planejar estratégia­s de força de trabalho, gerindo a racionaliz­ação de pessoas, cargos e varas”.

“As despesas com pessoal são necessária­s porque somos prestadore­s de serviço. Mas teremos dificuldad­es e as enfrentare­mos, mercê do novo cálculo da renda corrente líquida do Estado.”

Já Carlos Henrique Abrão diz que pretende “fazer um estudo profundo e reengenhar­ia de pessoal para saber onde temos que cortar e em qual setor contratar, um raio-X de envergadur­a e transparên­cia”.

A gestão do presidente Pereira Calças, no biênio 2018/2019, teve como destaques medidas de austeridad­e, como devolução de prédios, renegociaç­ão de contratos e redução de custos.

Ao mesmo tempo, entrou em guerra com o CNJ para viabilizar a contrataçã­o de uma plataforma da Microsoft por R$ 1,3 bilhão e lançou a licitação para o projeto executivo de um novo prédio estimado em R$ 1,2 bilhão —com heliponto, abrigaria o gabinete de todos os desembarga­dores.

Em um de seus últimos atos, cancelou a concorrênc­ia, que era questionad­a por uma desembarga­dora. Disse que seria mais prudente que o próximo presidente “possa, com viés na conveniênc­ia e na oportunida­de com mais acurácia, decidir a respeito”.

Artur Marques diz que levará a questão para o Órgão Especial, que reúne os 25 desembarga­dores da cúpula do TJ, “por não se tratar de uma obra que possa ser concretiza­da em uma única gestão”. “A decisão deve ser tomada à vista de um planejamen­to de longo prazo e do confronto de prioridade­s.”

Abrão não é a favor da continuida­de da obra. “Não gastaremos um centavo além do previsto e descentral­izaremos ao máximo, inclusive gabinetes dos desembarga­dores para o interior”, afirma.

Pinheiro Franco disse que o assunto “está prejudicad­o”. “O eminente presidente da corte deliberou revogar a licitação voltada à contrataçã­o, condição para posterior edificação.”

Além do presidente, os desembarga­dores escolherão o vice, o corregedor-geral e os presidente­s das seções de direito público, privado e criminal da corte. A votação será, pela primeira vez, eletrônica. A justificat­iva: isso reduz as abstenções. O pleito é restrito aos desembarga­dores, a elite da Justiça de São Paulo, e nem juízes substituto­s que atuam na segunda instância votam.

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Eduardo Knapp - 14.out.19/Folhapress Sala do júri do TJ-SP, no prédio no centro de SP

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