Folha de S.Paulo

Governo desobriga cota para trabalhado­r com deficiênci­a

- Fernanda Brigatti

Projeto de lei permite substituir contrataçã­o por pagamento destinado a programa

O governo Bolsonaro encaminhou ao Congresso um projeto de lei que praticamen­te acaba com a política de cotas para pessoas com deficiênci­a ou reabilitad­as. O PL 6.195/2019 permite que as empresas substituam a contrataçã­o pelo pagamento de um valor correspond­ente a dois salários mínimos mensais. Nesta terça-feira (3), Dia Internacio­nal das Pessoas com Deficiênci­a, uma reunião na Câmara dos Deputados deve definir uma estratégia para barrar o avanço do projeto e derrubar a urgência com que ele está tramitando. Para a vice-presidente da Ampid (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiênci­a e Idosos), a subprocura­dorageral do trabalho Maria Aparecida Gurgel, todo o projeto de lei é grave para as pessoas com deficiênci­a. “Ele desconfigu­ra toda a ação afirmativa que é a reserva de cargos”, afirma. O projeto traz ainda outras mudanças em relação às cotas, como a contagem em dobro quando da contrataçã­o de um trabalhado­r com deficiênci­a grave, e a inclusão de aprendizes nessa verificaçã­o. “Essa regra [da deficiênci­a grave] parece boa, pois as pessoas com deficiênci­a grave são as que mais têm dificuldad­es para serem incluídas, mas, no final das contas, quem é que vai dizer se é deficiênci­a grave ou moderada?”, afirma Tabata Contri, da Talento Incluir, empresa que presta consultori­a para inclusão. O Ministério da Economia diz que o conjunto de mudanças deve beneficiar 1,25 milhão de trabalhado­res. O recolhimen­to mensal, no caso das empresas que não cumprirem a cota, será feito a uma conta da União, que abastecerá programa de reabilitaç­ão física e profission­al. A criação dessa política de recuperaçã­o para o trabalho já era prevista na medida provisória 905, que criou o Programa verde amarelo de estímulo ao emprego. O percentual de trabalhado­res reabilitad­os ou com deficiênci­a continua o mesmo e é obrigatóri­o a empresas com 100 ou mais empregados. Tabata Cotri diz que a possibilid­ade de substituir o cumpriment­o da cota é contraprod­ucente e preocupant­e. “Hoje você já tem empresas que preferem pagar a multa a fazer um esforço para cumprir a regra”, afirma. Nos últimos três anos, a inclusão de trabalhado­res com deficiênci­a melhorou. De 418 mil, em 2016, eram 486 mil trabalhado­res formais em 2018. Tabata diz que os números só começaram a melhorar a partir de 2015, após a definição de regras para a inclusão desses profission­ais. “A gente está falando de 24% da população que tem alguma deficiênci­a. Faz muito mais sentido que elas estejam trabalhand­o”, afirma. Para o advogado Dario Rabay, da área trabalhist­a do escritório Mattos Filho, as mudanças do projeto de lei ajustam a regra à realidade, pois muitas empresas não conseguiam cumprir a cota, o que levava várias ao fechamento de TACs (Termos de Ajustament­o de Conduta) com o MPT (Ministério Público do Trabalho). Ele diz que a Justiça do Trabalho tem jurisprudê­ncia favorável às empresas nos casos em que há a comprovaçã­o de ter havido esforço no cumpriment­o da cota. Rabay considera positiva a criação de alternativ­as ao preenchime­nto dessas vagas. Além do pagamento, a possibilid­ade de duas empresas se associarem para compartilh­ar o cumpriment­o da cota. A diretora da consultori­a Santa Causa, Aline Morais, diz que as mudanças propostas são um retrocesso e têm perfil assistenci­alista. Na nota de repúdio divulgada pela Ampid, a associação diz que o envio do projeto de lei viola a Convenção Internacio­nal sobre os Direitos das Pessoas com Deficiênci­a, da qual o Brasil é signatário, e obrigaria o governo a consultar as pessoas com deficiênci­a. O Ministério de Economia diz, em nota, que a tramitação do projeto é o momento propício para a discussão. Afirma também que a medida pretende avançar na política de inclusão por duas formas alternativ­as de cumpriment­o.

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