Folha de S.Paulo

Restiffe mostra na Itália a intimidade do Brasil

Em primeira individual no país europeu, fotógrafo compila imagens de arquitetur­a e de momentos políticos nacionais

- Michele Oliveira

turim (itália) Em 2017, na Estação Pinacoteca, o fotógrafo Mauro Restiffe exibiu uma coletânea de cenas da sua família na exposição “Álbum”. Estavam à mostra, formando uma linha horizontal na parede, registros feitos durante 20 anos de sua mulher, filhos e pais, flagrados em momentos banais ou tão únicos como a alegria de um nascimento e a dor de uma cama de hospital.

Passados dois anos, Restiffe retoma o formato da extensa linha de imagens na mostra “History as Landscape” (história como paisagem), em cartaz até 5 de janeiro na OGR, em Turim, no norte da Itália. É sua primeira individual no país.

Dessa vez, no entanto, a intimidade familiar quase desaparece para que o visitante observe o interior de casas comuns, de mansões que viraram museus, de palácios e lugares públicos como avenidas, praças, teatros e universida­des.

Concebida pelo escritório paulistano Metro Arquitetos, a linha serve tanto para organizar a disposição das 69 imagens quanto para justapor cenas que aparenteme­nte nada têm a ver entre si. O preto e branco predominam, mas as fotos coloridas reforçam o tom de miscelânea. Desvendar o que é recente e o que é antigo é difícil.

Um casarão italiano dos anos 1930 foi fotografad­o neste ano, enquanto a Esplanada dos Ministério­s, construída nos anos 1950 em Brasília, foi registrada em 2003. O processo totalmente analógico ajuda a confundir a passagem do tempo.

Assim como em “Álbum”, na Pinacoteca, Restiffe voltou ao seu acervo para extrair grande parte das imagens da exposição de agora. Lado a lado, estão também fotografia­s feitas no primeiro semestre de 2019 em cidades italianas.

“Quisemos levar adiante esse projeto do Mauro de interpenet­ração entre arquitetur­a e vida e trazê-lo também para a Itália”, conta a cocuradora Giulia Guidi, que assina a mostra com Nicola Ricciardi. “A ideia era aproximar suas fotos mais históricas, como o funeral de Oscar Niemeyer, de obras de arquitetos importante­s da Itália”, diz Guidi.

Entre os projetos registrado­s por Restiffe estão a Villa Necchi Campiglio, de Piero Portaluppi, em Milão, e o museu de Castelvecc­hio, restaurado por Carlo Scarpa em Verona.

“O que emerge, inclusive como instalação, é um tipo de paisagem. O modo como estão colocadas as fotos, a sucessão e o ritmo fazem criar uma espécie de skyline de uma cidade.”

Essa linha de imagens ocupa um muro branco de 40 m de compriment­o e 4 m de altura, que, com a ajuda da iluminação, atrai subitament­e quem entra na sala escura de 750 m².

Construída em 1895, a OGR (Officine Grandi Riparazion­i) foi uma oficina para o conserto de trens. Depois de anos fechada, foi reformada e reaberta em 2017 como centro cultural.

Ao se aproximar do muro branco e conferir as dezenas de fotos, emoldurada­s em tamanhos diversos, o visitante se dá conta de que essa paisagem tem alguns sobressalt­os.

Entre as imagens iniciais, encontram-se pessoas enroladas na bandeira do Brasil com as torres do Congresso Nacional ao fundo, balões da CUT (Central Única dos Trabalhado­res) na avenida Paulista, a Esplanada dos Ministério­s lotada.

Para grande parte dos brasileiro­s, as cenas são familiares. São registros da primeira posse de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, dos protestos contra o impeachmen­t de Dilma Rousseff, em 2016, e da posse de Jair Bolsonaro, em janeiro, fotografad­aapedidoda Folha.

Para quem não decifra os momentos, incluindo os italianos, os nomes e as datas dão pistas: “Empossamen­to” (2003), “Não Vai Ter Golpe” (2016) e “Inominável” (2019).

Se há dois anos Restiffe expôs sua intimidade familiar, agora é a vez de a intimidade do Brasil ser revelada na Itália.

“Hoje, pensando no que está acontecend­o no Brasil, é impossível desassocia­r o público do privado. As coisas estão muito fundidas uma na outra”, diz o fotógrafo. “Tentei endereçar um pouco isso, fazer essa mistura.”

A ideia também está embutida no título, história como paisagem. “Quis pensar essa relação entre esses dois núcleos, o tom mais documental de eventos históricos e outro mais intimista, de vivência. Na fusão entre eles, é criada essa paisagem”, explica Restiffe.

Ou, como resume a cocuradora Guidi, ao alternar a história de uma família e a de um país, as fotografia­s de Restiffe nos fazem entender que a arquitetur­a é o “palco cênico da vida”, seja ela privada ou pública.

 ?? Mauro Restiffe/Archivio Carlo Scarpa ?? Interiores de casas comuns, de mansões e de palácios integram série de fotografia­s
Mauro Restiffe/Archivio Carlo Scarpa Interiores de casas comuns, de mansões e de palácios integram série de fotografia­s

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