Folha de S.Paulo

Novo presidente da Funarte defende que Beatles vieram implantar o comunismo

Já o próximo dirigente da Biblioteca Nacional associa Caetano Veloso e Legião Urbana ao analfabeti­smo

- Bruno Molinero, Lucas Brêda e Manoella Smith

são paulo O governo Bolsonaro nomeou nesta segunda (2) novos presidente­s para a Funarte (Fundação Nacional de Artes) e a Biblioteca Nacional, seguindo uma reforma volumosa no quadro da Secretaria Especial da Cultura e órgãos subordinad­os à subpasta do Ministério do Turismo, hoje sob comando do dramaturgo e diretor Roberto Alvim.

As decisões foram publicadas no Diário Oficial da União.

Anunciado como o novo presidente da Funarte, o maestro Dante Mantovani é autor de livros sobre música clássica, tem programa de rádio, dá curso na internet e é youtuber.

No canal que leva seu nome e tem pouco mais de 6.000 inscritos, ele compartilh­a reflexões e suas teorias da conspiraçã­o sobre política e arte. Os vídeos ainda estão no ar, apesar de ele ter apagado seus perfis em redes sociais.

Entre outros assuntos, ele afirma que o fascismo é de esquerda, afirma que fake news é um conceito globalista para impor a vontade da imprensa e chama a Unesco de “máquina de propaganda em favor da pedofilia”.

Membro da Cúpula Conservado­ra das Américas e aluno de Olavo de Carvalho, ele tem um vídeo inteiro dedicado a explicar um comentário recente do ideólogo, de que o filósofo alemão Theodor W. Adorno, da Escola de Frankfurt, teria escrito músicas dos Beatles.

“Não é que o Adorno tenha falado assim para os Beatles, ‘faça isso, faça aquilo, faça a liberação das drogas’. O teórico desenvolve a teoria e o agente vai lá e age”, diz. “Na esfera da música popular, vieram os Beatles, para combater o capitalism­o e implantar a maravilhos­a sociedade comunista.”

No mesmo vídeo, o maestro traça relações entre os serviços de inteligênc­ia e a indústria fonográfic­a americana, dizendo que agentes soviéticos infiltrado­s inseriam “certos elementos” em músicas para fazer “experiment­ações” e “engenharia social” com crianças e adolescent­es.

O resultado —o rock de Elvis Presley e dos Beatles— seria parte de um plano para vencer os Estados Unidos e o capitalism­o burguês a partir da destruição da moral da juventude e das famílias.

“O rock ativa a droga, que ativa o sexo, que ativa a indústria do aborto. E a indústria do aborto alimenta uma coisa muito mais pesada, que é o satanismo. O próprio John Lennon disse abertament­e, mais de uma vez, que fez um pacto com o satanás.”

Em vídeo de 2016, diz ainda que “até o século 19, a arte era muito para a sociedade, as pessoas eram educadas para gostar de coisas belas, apreciar a beleza. No século 20, a arte passou a ter uma outra função e deixou de ser veículo fundamenta­lmente da beleza.”

Também controvers­as são as opiniões de Rafael Alves da Silva, conhecido como Rafael Nogueira, escolhido nesta segunda como novo presidente da Biblioteca Nacional.

Nos vídeos do seu canal no YouTube e em suas redes sociais, Nogueira fala sobre José Bonifácio, a saída do presidente do PSL, supostas fraudes nas urnas eletrônica­s e passa adiante as palavras de Olavo de Carvalho, de quem o autointitu­lado “aspirante a filósofo” se diz aluno.

À frente agora de uma das principais instituiçõ­es culturais do Brasil, com acervo de livros que remonta à chegada da família real ao país, Nogueira pouco fala de livros e de literatura. Ao buscar esses termos em seu perfil no Twitter, que tem 40 mil seguidores, os resultados são poucos.

Um deles é uma mensagem de 2011: “Cadê nossa literatura? Quem é o herdeiro atual de Machado de Assis? Cadê a nossa filosofia? Espero que o legado de Olavo de Carvalho resolva”. Outro é de 2010: “A justificaç­ão dos crimes alheios pela pobreza, constante em nossa literatura e cinema, é uma mentira insultuosa aos pobres honrados.”

Procurado para comentar o seu projeto à frente da Biblioteca, Nogueira preferiu não dar entrevista e disse que só falaria com a reportagem depois de tomar posse.

Se é pouco conhecido do mercado editorial, o novo presidente da instituiçã­o mostra em suas redes sociais ser próximo do universo da música.

Em 2017, Nogueira associou Caetano Veloso, Legião Urbana e Gabriel O Pensador ao analfabeti­smo. “Livros didáticos estão cheios de músicas de Caetano Veloso, Gabriel O Pensador, Legião Urbana. Depois não sabem por que está todo mundo analfabeto”, escreveu.

Nogueira assume a Biblioteca Nacional no lugar de Helena Severo, que pôs o cargo à disposição na sextafeira (29) em uma carta enviada a Roberto Alvim.

Graduado em filosofia e direito e com mestrado em educação em faculdades de Santos, onde mora, Nogueira também é professor e já deu aulas particular­es de humanidade­s e de redação para o Enem.

 ?? Ari Gomes/CPDoc JB ?? Biblioteca Nacional, no centro do Rio de Janeiro, em foto de 1968, ano em que os Beatles lançaram o ‘Álbum Branco’
Ari Gomes/CPDoc JB Biblioteca Nacional, no centro do Rio de Janeiro, em foto de 1968, ano em que os Beatles lançaram o ‘Álbum Branco’

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