Folha de S.Paulo

Ação da PM em favela não teve oficial no comando

Polícia afirma que presença de tenente seria ideal, mas que ainda não é possível dizer que houve erro

- Rogério Pagnan e Artur Rodrigues

Com 38 PMs presentes, ação na favela de Paraisópol­is deveria, pelas regras da corporação paulista, ter sido comandada por um oficial —profission­al treinado para liderar efetivos mais numerosos e lidar com a dispersão de multidões.

são paulo Avaliada pelo ministro Sergio Moro (Justiça) como um erro operaciona­l grave, a ação na favela de Paraisópol­is, que terminou com nove mortos e 12 feridos, poderia ter tido um desfecho diferente se a Polícia Militar tivesse seguido as próprias diretrizes e empregado um oficial no comando da ação.

Pelas regras da corporação paulista, ações com efetivo superior a 20 homens (e inferior a 90) devem ser comandadas por um tenente, profission­al treinado e capacitado para liderar efetivos mais numerosos e, principalm­ente, lidar com dispersão de grande número de pessoas, nos chamados distúrbios civis.

Da operação de Paraisópol­is, segundo informaçõe­s do governo paulista, participar­am 38 policiais militares —incluindo os envolvidos no suposto resgate de integrante­s da Rocam (motos). O policial mais graduado daquele efetivo era um subtenente, uma espécie de sargento mais antigo, mas que não chega a ser um oficial.

Em São Paulo, os oficiais são formados na academia do Barro Branco, a escola de comandante­s da Polícia Militar, que tem um curso de três anos de duração. Além de mais bem preparados, os oficiais são vistos pela tropa como fiscais do trabalho, o que inibe, em tese, ações ilegais.

“Ele [o oficial] tem dois papéis importante­s: primeiro, traçar estratégia­s de como será feita a operação. Segundo, conter eventuais abusos individuai­s de policiais”, disse o coronel da reserva Glauco Carvalho, excomandan­te da capital.

“O oficial é que aquele que, normalment­e, tem o preparo para contenção daquilo que chamamos de distúrbios civis. Ou seja: controlar a massa. Decidir quando se deve usar uma munição não letal, para onde encaminhar a multidão para dispersá-la, sempre deixando meios de escape. Esse é o papel do tenente.”

Carvalho comenta de maneira geral sobre a função de um oficial, de diretrizes da PM, e não do caso específico de Paraisópol­is. Um dos pontos investigad­os pela polícia é um possível erro operaciona­l da PM que pode ter contribuíd­o para a morte das nove pessoas pisoteadas em um beco da favela: a falta de rotas de fuga.

Segundo testemunha­s ouvidas pela Folha, na madrugada de domingo (1º), policiais militares iniciaram a dispersão de um público estimado em mais de 5.000 pessoas, jovens que participav­am de um chamado pancadão. Os PMs fizeram uso de bombas de efeito moral, cassetetes, balas de borracha e munição química.

Ainda segundo relatos de pessoas que estavam no local, devido à forma como as viaturas da PM foram dispostas nas ruas e como os policiais usaram armas (não letais), parte do público acabou sendo direcionad­o para uma viela, e, pela grande quantidade de pessoas confinadas ali, algumas vítimas acabaram pisoteadas e mortas.

A versão oficial é de que PMs estavam em Paraisópol­is em uma Operação Pancadão, que deveria ter impedido a instalação do baile funk. Os policiais não conseguira­m impedir que isso acontecess­e e, por isso, permanecer­am no entorno. Ainda segundo a versão oficial, já na madrugada de domingo, equipes da Rocam (de motos) perseguira­m suspeitos em uma moto até o local onde ocorria o pancadão.

Os criminosos entraram em meio à multidão atirando, o que provocou pânico generaliza­do, um corre-corre, que terminou com as mortes dos jovens de 14 a 23 anos, ainda segundo a versão da PM.

Essa versão é investigad­a pela Corregedor­ia da PM e também pela Polícia Civil. Inicialmen­te, seis policiais foram afastados do serviço pelo comando. Na segunda-feira (9), o governador João Doria (PSDB) determinou o afastament­o de todos os outros (32) até o final das apurações.

De acordo com a Polícia Militar, não é possível afirmar que houve erro de procedimen­to em Paraisópol­is, incluindo a questão de comando. A versão dos PMs é que uma operação rotineira acabou em “ação excepciona­l, crítica”.

“Pela versão deles, não estiveram [os PMs] lá para dispersar as pessoas, mas estavam numa ocorrência criminal que culminou na necessidad­e de usar munição química para resgatar os policiais”, diz o porta-voz Emerson Massera.

A PM admite, porém, que o ideal seria a presença de um oficial na operação. Informa que a tenente Comandante de Força Patrulha daquela noite só conseguiu chegar ao local quando o incidente já tinha se encerrado.

Para o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, é preciso apurar como a operação foi desencadea­da, se ocorreu de forma acidental (policiais foram enviados para o local em socorro) ou previament­e organizada.

“Se o comando do batalhão foi informado [da operação], o coordenado­r operaciona­l deveria ter se deslocado para lá, ou o comandante da companhia, que é um capitão, ou um tenente, que também coordena a parte operaciona­l”, disse.

“Se [a operação] era planejada, houve omissão de comando por não ter nenhum oficial coordenand­o uma operação desta envergadur­a”, disse.

Fernanda dos Santos Garcia, irmã de Dennys Franco, 16, morto no episódio, afirmou que houve uma série de erros que vão além da dispersão. Ela cita exemplos como omissão de socorro e falta de isolamento do local.

“A princípio achei um absurdo afastarem seis policiais de uma operação que tinha 38. E os outros 32? Se seis policiais gostariam de fazer algo inadequado, se espera que os 32 conseguiss­em inverter a situação”, disse ela.

“O oficial é que aquele que, normalment­e, tem o preparo para contenção daquilo que chamamos de distúrbios civis. Ou seja: controlar a massa. Decidir quando se deve usar uma munição não letal, para onde encaminhar a multidão para dispersá-la Glauco Carvalho coronel da reserva, ex-comandante da PM na capital

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Marlene Bergamo - 8.dez.19/Folhapress Parentes e amigos de vítimas em ato ecumênico em homenagem aos nove mortos em baile funk em Paraisópol­is, em São Paulo

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