Folha de S.Paulo

Desculpem meu aramaico

Queridos seguidores, aqui quem fala é Jesus —de novo

- Gregorio Duvivier É ator e escritor. Também é um dos criadores do portal de humor Porta dos Fundos

Queridos seguidores, aqui quem fala é Jesus. De novo. Estão fazendo abaixo-assinado em meu nome para proibir um especial. Se ofende a mim, deixa comigo. O humorista que quiser me irritar vai ter que se esforçar mais.

Queridos seguidores, aqui quem fala é Jesus. De novo. É chato ter que repetir as coisas. Achei que bastasse a Bíblia. Pedi pro pessoal contar quatro vezes a minha história, pra ajudar a fixar. Lucas na época achou estranho. “Mateus já contou, depois Marcos repetiu, quando chegar na minha parte o pessoal não vai mais tá aguentando.” Mal sabia ele que depois ainda vinha João, coitado. Na hora percebi que tinha exagerado. Percebi que tinha feito que nem o Coppola com o terceiro “O Poderoso Chefão”: não precisava daquilo. Mas o pior é que no meu caso precisava. Aliás, pelo visto, precisava de um quinto e de um sexto, porque nem repetindo quatro vezes o pessoal entendeu.

A novidade é que tão fazendo um abaixo-assinado em meu nome pra proibir um especial de comédia “ofensivo”. Se ofende a mim, deixa comigo, pessoal. Eu sou foda. Quando não gosto de alguém, eu dou meu jeito. Eu já to adultinho. Aquele 7 a 1 da Alemanha, por exemplo, foi coisa minha. Não aguentava aquela seleção de crente cantando gospel. David Luiz ficava o dia inteiro me perturband­o. Meti sete gols pra ver se ele ia transar.

No breve tempo em que estive na Terra, em algum momento, vocês me viram processand­o humorista? Acho que não. Olha que não faltava palhaço na Galileia.

Malaquias, por exemplo, fazia um stand-up sofrível em Nazaré. Fui dar na cara dele? Não. Sabe por quê? Porque no horário do show dele eu tava muito ocupado lavando pé de mendigo. Mas não só.

Eu sou da galhofa, cacete. Tem algum registro em algum evangelho de eu ter ficado puto com piada? Nem que seja naqueles não autorizado­s de revista de fofoca. Tem? Eu era da turma do fundão. Muita coisa que eu disse, inclusive, foi mais pela zoeira. Esse negócio de passar camelo em buraco de agulha, por exemplo, em aramaico o pessoal se escangalha­va de rir. Aquela brincadeir­a de transforma­r água em vinho era trote.

Antes que me esqueça: assisti ao especial. Não gostei. Merecia o Emmy? Não. O ator que me interpreta tem meio metro a menos que eu, e uns vinte quilos a mais, praticamen­te minha versão hobbit. Nesse sentido prefiro mil vezes o da Record, mais alto e mais sequinho. Mas ofender, ofender, não ofendeu.

“Ah, mas o Jesus deles é gay.” Gente, o humorista que quiser me irritar vai ter que se esforçar mais um pouquinho. Mas tem gente no Brasil que tá conseguind­o. Desemprega­do pagando INSS? Vai tomar no cu. Desculpa meu aramaico.

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Catarina Bessell

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