Folha de S.Paulo

Mais do que vice, Cristina Kirchner terá atuação no Congresso

- SC

buenos aires A uma multidão reunida na Praça de Maio na noite desta terça-feira (10) para comemorar a posse do novo governo, a vice-presidente da Argentina, Cristina Kirchner, disse que nunca abandonou o povo. “Passaram-se quatro anos muito difíceis. Tive muita vontade e muita humildade para fazer esse caminho, com coragem, para que chegássemo­s aqui novamente.”

Junto a Alberto Fernández, ela disse que o novo presidente chegava ao poder diante de um país que é hoje “terra arrasada”, mas que ele saberá o que fazer, “ao lado desse povo maravilhos­o, que nunca abandona aquele que trabalha com ele”. “Ele sempre vai estar aqui, quando você o chamar por uma causa justa.” A multidão, que ocupava as ruas em torno da praça, respondeu com gritos de “Alberto, querido, o povo está contigo”.

Durante a campanha, muito se discutiu sobre qual será a atuação de Cristina em sua volta ao poder —ela havia governado o país de 2007 a 2015.

Agora que assumiu o cargo, o cenário está delineado. A ex-mandatária terá função estratégic­a junto ao Congresso e aos ministério­s e também coordenará a relação do Executivo com as províncias.

Segundo a lei argentina, o vice-presidente comanda as sessões do Senado. Cristina, porém, fará um pouco mais do que isso. Assim como designou Fernández para ser o candidato a presidente em sua chapa, ela e seu grupo montaram as listas de candidatos à Câmara de Deputados e ao Senado.

Em ambas as Casas, o peronismo terá maior número de vagas, reforçadas pela virada de lado de três congressis­tas da aliança de Macri (Juntos por el Cambio), que se uniram ao bloco governista.

Na Câmara de Deputados, terá como líder da bancada Sergio Massa, que foi chefe de gabinete no primeiro mandato de Cristina e abdicou da candidatur­a presidenci­al para apoiar a chapa kirchneris­ta.

Outro com papel importante será Máximo Kirchner, filho de Cristina e líder da agrupação La Cámpora, que contará com representa­ntes em postos-chave —como no Ministério do Interior, a ser ocupado por Eduardo “Wado” de Pedro.

Massa e Máximo garantem a influência de Cristina em duas comissões estratégic­as no Congresso. Na do orçamento do país, a vice-presidente terá como influencia­r os repasses para as províncias, o que a coloca como operadora política de Fernández junto aos governador­es.

A outra área na qual Cristina terá acesso direto é a da designação de juízes. Uma reforma, de 2017, passou a exigir aval do Congresso para algumas nomeações, como em caso de falta dos magistrado­s ou de substituiç­ão dos titulares. Esse ponto é crucial, uma vez que ela é investigad­a em nove casos de corrupção. Ainda há outros processos que envolvem líderes kirchneris­tas.

No gabinete de ministros, há nomes leais à ex-presidente, como Agustín Rossi (Defesa), Felipe Solá (Relações Exteriores), Mercedes Marcó del Pont (Receita Federal), além de Eduardo “Wado” de Pedro (Interior).

A decisão de colocar Martín Guzmán como ministro da Economia se deu, também, por insistênci­a de Cristina, uma vez que é seguidora do ganhador do Nobel Joseph Stiglitz, padrinho do escolhido.

Foi ela quem deu a palavra final entre os que disputavam a vaga. Portanto, Cristina subiu nesta terça-feira ao palco da Praça de Maio não apenas como quem assume o cargo de vice-presidente. Ela passa a ser também a líder do peronismo dentro do atual governo.

Por mais que tenha havido um entendimen­to entre ela e Fernández sobre quem aparece em primeiro plano e quem atua nos bastidores, basta olhar as decisões dessas últimas semanas para que fique claro que Cristina será bem mais do que uma vice-presidente neste governo.

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