São Paulo lança programa para mapear população trans
Iniciativa inédita no país visa conhecer melhor quem é e como vive esse grupo
são paulo Rafaela Trindade, 30, vê a correria da metrópole deitada em um colchão surrado no pátio que dá acesso à estação Marechal Deodoro do Metrô, no centro de São Paulo.
Mulher trans, negra e carioca, ela não tem documentos, mas o que não faltam são planos. “Quero sair dessa vida em 2020”. Para chegar lá, diz que vai buscar a rede assistencial da prefeitura.
“Agora estou conversando com você. Daqui a pouco, os seguranças do Metrô aparecem e mandam a gente sair daqui. É uma vida cigana”, afirma ela, ao lado de outras três colegas trans.
Bem perto dali, Luca Scarpelli, 29, vive em um apartamento na rua da Consolação (centro). Também trans, ele é publicitário, ator e criador do “Transdiário”, canal no YouTube com 122 mil seguidores usado por ele para relatar suas experiências como pessoa transgênero.
“Não importa a classe social. Ser uma pessoa trans no Brasil é padecer sempre”, afirma. “Faltam mais ambulatórios e médicos especializados para nos atender.”
Os problemas do cotidiano de Rafaela e Luca entrarão pela primeira vez nas estatísticas oficiais. A partir de janeiro de 2020, a capital paulista vai mapear quantos são e como vivem as pessoas trans da cidade, iniciativa inédita no Brasil.
O projeto está sob o guardachuva da Secretaria Municipal de Direitos Humanos da gestão Bruno Covas (PSDB), e foi financiado a partir de emenda parlamentar do vereador Eduardo Suplicy (PT), no valor de R$ 266 mil. Há perspectiva de complementação de recurso.
O valor será usado na contratação de ao menos 30 pesquisadores —metade deles trans—, que farão entrevistas com a população T (travestis e homens e mulheres trans) de todas as classes socioeconômicas ao longo do primeiro semestre de 2020.
O Cedec (Centro de Estudos de Cultura Contemporânea) é o instituto de pesquisa contratado para elaborar o levantamento. “Já fizemos entrevistas-piloto com 20 trans. Estamos analisando agora a melhor forma de abordagem”, diz a socióloga Cecilia Rodrigues.
O projeto paulistano baseiase em uma experiência uruguaia. Em 2016, o país vizinho contou 853 pessoas trans no seu censo para pessoas T, das quais 90% eram mulheres e viviam da prostituição.
Na cidade de São Paulo, com 12,2 milhões de habitantes (população três vezes e meia maior do que a do Uruguai), a expectativa é localizar ao menos 3.000 pessoas transgênero.
Mas com uma diferença, diz o sociólogo Gustavo Venturi, coordenador-geral da pesquisa. “Na cidade de São Paulo, faremos um levantamento e não um censo”. Venturi explica que o Uruguai já possuía um banco de dados prévio, que deu respaldo ao censo trans. Por aqui, só existem estimativas sobre esse público.
A maioria das estatísticas brasileiras referentes à população trans são fornecidas por entidades. Segundo a Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), a expectativa de vida de uma pessoa trans no Brasil é de 35 anos. Em 2018, 163 pessoas trans —a maioria, de travestis—, foram assassinadas.
A estimativa da Antra é que 1,9% dos brasileiros e das brasileiras sejam trans.
A Defensoria Pública da União tenta confirmar essa projeção populacional. Por vias judiciais, o órgão quer fazer o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) contar a população trans no seu próximo Censo, de 2020.
Na primeira análise, o pedido da Defensoria foi negado pela Justiça. O órgão recorreu e aguarda nova manifestação da 11ª Vara da Capital, no Rio de Janeiro.
Enquanto a questão não se resolve em âmbito nacional, em terras paulistanas o levantamento vai buscar seu público-alvo onde ele está, mas sem abordagens de casa em casa.
Serão visitados albergues, postos de saúde, serviços de assistência social, locais com grande circulação de pessoas, pontos de prostituição, empresas e baladas, além de programas sociais como o Transcidadania, da prefeitura.
Após mapear aparcelam ais aparente dessa população, os pesquisadores terão o desafio de entrar na rede de contatos das pessoas já entrevistadas para localizar outros trans. Na pesquisa social, a estratégia é conhecida como bola de neve eé usada para“furar abolha” entre grupos de difícil acesso.
O estudo terá cerca de 45 perguntas sobre escolaridade, acesso ao emprego (formal ou informal) e às políticas específicas de saúde, como a hormonização. Só poderão responder ao questionário as pessoas trans moradoras da capital paulista.
Os dados serão tabulados no segundo semestre e apresentados após o término das eleições municipais. Segundo Venturi, o resultado obtido entre os respondentes trans será comparado com o da população geral.
“A ideia é tentar provocar uma discussão e dar visibilidade a essa população. O que queremos saberé: quais demandas estão ou não sendo atendidas para essas pessoas”.
Para Luca Scarpelli, com o mapa trans paulistano ogo vernon ãoterád esculpa para deixara populaçãoTd eforadas políticas públicas. “Daqui há pouco os números oficiais também dirão que nós existimos .”