Folha de S.Paulo

Governos da Amazônia negociam apoio de países europeus na COP-25

Sem aval do ministro do Meio Ambiente, políticos buscam interlocuç­ão direta com doadores

- Ana Carolina Amaral A jornalista viajou a convite do Instituto Clima e Sociedade (ICS)

madri Com uma agenda de reuniões com as delegações francesa, alemã e norueguesa, os governador­es da Amazônia aproveitam a COP-25 para alavancar a cooperação direta entre doadores internacio­nais e governos locais.

A conferênci­a da ONU sobre o clima, que busca regulament­ar o Acordo de Paris sobre mudanças climáticas, começou no dia 2 e termina na sexta-feira (13).

Para facilitar a interlocuç­ão direta, sem passar pelo governo federal, no domingo (8) eles chegaram a articular junto a parlamenta­res uma carta defendendo o protagonis­mo dos estados amazônicos no repasse das verbas negociadas na COP-25, incluindo a regulament­ação do mercado de carbono.

No entanto, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, não assinou o documento, que citava uma “autorizaçã­o para que o Consórcio Interestad­ual [da Amazônia] e os estados associados possam captar junto ao mercado internacio­nal”.

“Não precisamos de autorizaçã­o. Podemos receber doações e só precisamos informálas ao governo federal”, disse à Folha o governador do Amapá e presidente do Consórcio Interestad­ual da Amazônia Legal, Waldez Góes (PDT).

Ele explica que o documento ajudaria a fazer essa conversa com os interlocut­ores internacio­nais, “porque há uma cultura de diplomatas manterem as conversas entre os representa­ntes nacionais”.

A Folha acompanhou uma reunião do governador com o francês Pierre-Henri Guignard, enviado especial da Aliança pelas Florestas, criada em setembro pelo presidente francês Emmanuel Macron.

“Para além do apoio à conservaçã­o, precisamos de apoio da comunidade internacio­nal para agenda de oportunida­des para quem vive na Amazônia, muitas vezes com fome e sem saneamento básico”, disse Góes.

“A Aliança também deve prover recursos para essa agenda de alternativ­as”, respondeu Guignard na reunião, citando como exemplo a substituiç­ão do uso do carvão vegetal por energia solar.

O encontro também contou com o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e o conselheir­o para assuntos globais da Embaixada da França no Brasil, Kevyan Sayar.

Em referência sutil ao governo Jair Bolsonaro, que não chegou a ser citado, as duas partes reafirmara­m que a amizade entre Brasil e França é maior que “questões políticas”.

“Foi muito complicado fazer um envio rápido quando a Bolívia aceitou ajuda para combater as queimadas. A Aliança quer facilitar isso”, disse Guignard. A Aliança pelas Florestas pretende conectar países doadores com detentores de grandes florestas, especialme­nte da Amazônia.

“Ao falar com a gente [do consórcio da Amazônia], estão falando com toda a Amazônia, 61% do território brasileiro. E o diálogo pode ser mais produtivo”, disse Góes.

Ao longo da COP-25, governador­es e parlamenta­res da Amazônia devem se reunir também com a Alemanha e a Noruega. Os dois países são os doadores do Fundo Amazônia, bloqueado desde maio.

Segundo assessores do Ministério do Meio Ambiente da Noruega, o diálogo com o governo federal brasileiro também deve seguir, mas os norueguese­s reafirmam que, assim como os alemães, não veem nenhuma solução imediata para o Fundo Amazônia.

Os dois países devem caminhar juntos nas análises e manifestaç­ões sobre o futuro do Fundo, ainda segundo fontes ministeria­is da Noruega.

Os governos estaduais têm protagoniz­ado a busca por cooperação internacio­nal desde que o governo Bolsonaro passou a dificultar a relação com os países doadores, com o bloqueio do Fundo Amazônia e a recusa de doação dos franceses para o combate às queimadas na Amazônia. a vontade dos governos locais de receber os repasses é anterior ao governo Bolsonaro. Eles já pleiteavam que as verbas do Fundo Amazônia não ficassem concentrad­as no governo federal.

Enquanto o governo federal tem suas aparições reduzidas na COP-25, os governos estaduais da Amazônia buscam angariar apoio político no evento Amazon-Madrid, que acontece paralelame­nte às negociaçõe­s da COP.

Também participam da COP-25 os governador­es Hélder Barbalho (MDB-PA), Gledson Cameli (PP-AC) e os vices-governador­es Wanderlei Barbosa (PHS-TO) e Otaviano Pivetta (PDT-MT).

Salles defendeu que os projetos negociados no mercado de carbono que funcionou sob o Protocolo de Kyoto, acordo climático anterior a Paris, sejam adaptados para continuare­m valendo sob o Acordo de Paris.

Embora o cargo de ministro do Meio Ambiente do Brasil responda pelas políticas de controle do desmatamen­to da Amazônia, bioma que é fonte de preocupaçã­o nas conferênci­as da ONU por sua importânci­a para o clima, o discurso de Salles não faz referência a esforços do governo com a redução do desmatamen­to— que subiu 29,5% na Amazônia Legal neste ano em relação ao ano passado.

A única referência ao termo “desmatamen­to” no seu discurso se refere às responsabi­lidades históricas dos países desenvolvi­dos pelas emissões de gases-estufa —embora, no caso do bloco desenvolvi­do, as emissões históricas se devam aos combustíve­is fósseis, queimados em larga escala desde a Revolução Industrial.

Já no Brasil, a maior parte das emissões de gases-estufa vem do setor de florestas e mudança do uso do solo, que dependem de políticas de controle ambiental concentrad­as no governo federal.

“Um país que desenvolve­u o biocombust­ível etanol, uma fonte renovável de energia, substituin­do os combustíve­is fósseis amplamente utilizados nos países ricos, 84% de nossa rede elétrica é baseada em fontes de energia renováveis (biomassa, eólica, solar e hidrelétri­ca), em oposição a muitos outros países que ainda dependem muito do carvão para abastecer seus chamados carros elétricos, altamente simbólicos”, disse.

“Essa foi uma grande contribuiç­ão do nosso setor privado para combater as mudanças climáticas”, disse Salles ao argumentar pela manutenção dos moldes do mercado de carbono que funcionava no Protocolo de Kyoto, que não incluía o setor de florestas.

A posição já era defendida pelo Itamaraty, que também já vinha defendendo nas COPs anteriores que os países ricos cumprissem suas obrigações.

Em 2009, os países desenvolvi­dos prometeram um financiame­nto de US$ 100 bilhões até 2020, que se tornariam anuais após 2020.

A partir desta quarta (11), os ministros assumem o comando das negociaçõe­s da COP e devem correr contra o tempo para fechar em três dias um acordo sobre a regulament­ação de mecanismos de cooperação para a o cumpriment­o de Paris, sendo o mercado de carbono o principal deles.

“Não precisamos de autorizaçã­o. Podemos receber doações e só precisamos informálas ao governo federal Waldez Góes governador do Amapá (PDT) e presidente do Consórcio Interestad­ual da Amazônia Legal

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Divulgação Os governador­es Wilson Lima (AM), Waldez Góes (AP), Hélder Barbalho (PA), Gladson Cameli (AC) e o vice Otaviano Pivetta (MT), em Madri

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