Folha de S.Paulo

400 anos em busca da melhor maneira de empacotar laranjas

Resolução do problema, verificáve­l por computador, foi publicada em 2017

- Marcelo Viana Matemático e diretor-geral do Impa. Ganhador do prêmio francês Louis D.

No início do século 17, a Inglaterra estava desbancand­o portuguese­s, espanhóis, franceses e holandeses para se tornar império global.

Logo a marinha britânica dominaria os sete mares com a ajuda de seus canhões. E, dado que o espaço a bordo é escasso, como armazenar as balas de canhão para poder levar o maior número possível delas no navio?

O problema chegou até o matemático e astrônomo alemão Johannes Kepler (1571 – 1630), que o divulgou em trabalho publicado em 1611: se alguém pretende colocar bolas pequenas idênticas em um recipiente grande (por exemplo, laranjas em um caixa), como posicionál­as de modo que caiba o maior número possível de bolas?

Kepler é conhecido sobretudo por seu trabalho em mecânica celeste. A partir das observaçõe­s realizadas pelo dinamarquê­s Tycho Brahe (1546 – 1601), seu mentor e astrônomo oficial do Império Romano-Germânico, Kepler formulou as três leis que levam seu nome: planetas se movem em órbitas elípticas; o Sol ocupa um dos focos da elipse e a reta que liga o planeta ao Sol percorre áreas iguais em tempos iguais. Esse trabalho influencio­u Isaac Newton na formulação da lei da gravitação universal.

Se as bolas forem colocadas aleatoriam­ente, a densidade do empacotame­nto (percentage­m do volume de caixa ocupado pelas bolas) será cerca de 65%. É possível fazer melhor, colocando as bolas em uma disposição hexagonal, como feirantes exibem frutas em suas barracas. Nesse caso, a densidade é cerca de 74%.

Kepler conjecturo­u que isso é o melhor possível, mas não sabia provar. Apesar de a questão ter sido incluída (em 18º) na famosa lista de 23 problemas apresentad­a por David Hilbert no Congresso Internacio­nal de Matemático­s de 1900, praticamen­te não houve progresso até meados do século 20.

Em 1953, o húngaro László Fejes Tóth (1915 – 2005) mostrou que o problema pode ser reduzido a um número finito (mas enorme) de cálculos, ao alcance de um computador suficiente­mente poderoso. Em 1998, o americano Thomas Hales anunciou ter feito tais cálculos. Mas seu trabalho era demasiado longo (250 páginas mais 3 gigabytes de código de computador): os 12 consultore­s encarregad­os de verificá-lo desistiram após quatro anos de trabalho.

Então Hales juntou uma equipe para produzir uma prova formal da conjectura, que pudesse ser verificada automatica­mente por computador. O resultado dessa colaboraçã­o foi aceito para publicação em 2017, encerrando finalmente mais de quatro séculos de esforços.

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