Folha de S.Paulo

Bethânia celebra a Mangueira com doses sonoras da Bahia

Cantora presta homenagem em novo CD, cantando o que quer e como quer

- Luiz Fernando Vianna

A Menina dos Meus Olhos **** * Artista: Maria Bethânia. Gravadora: Quitanda/Biscoito Fino. R$ 38. Disponível nas plataforma­s de streaming

Caetano Veloso já escreveu que “a Mangueira é onde o Rio é mais baiano”. Esta música não está no repertório de “A Menina dos Meus Olhos”, de Maria Bethânia, mas está no espírito do CD.

Natural de Santo Amaro da Purificaçã­o, terra de samba de roda, a cantora selecionou nove sambas cariocas e injetou neles doses sonoras de Bahia. Entregou os arranjos a Letieres Leite, o maestro da Orkestra Rumpilezz, de Salvador.

Atabaques e timbales se unem a caixas de guerra e cuícas. E ainda há sopros e um quarteto de cordas, num exercício de rica liberdade.

O álbum é um agradecime­nto de Bethânia à Estação Primeira de Mangueira, que a homenageou no Carnaval de 2016 com o enredo “A Menina dos Olhos de Oyá” —e conquistou o título.

O belo samba-enredo vencedor só aparece no final e como vinheta. Bethânia preferiu não cantar uma letra que a exalta. Incluiu duas músicas derrotadas na disputa interna daquele ano e convidou para interpretá-las o baluarte Tantinho (um samba dele mesmo com parceiros) e Caetano e Moreno Veloso (um samba de Nelson Sargento e outros).

Ninguém ousou impedi-la de violar a seguinte regra das escolas: sambas-enredo derrotados morrem no momento da derrota. Só podem ser cantados os vencedores, até para não suscitar comparaçõe­s.

Bethânia, como não poderia deixar de ser, escolheu cantar o que queria e como queria. Três faixas são reverência­s à verde e rosa: “Mangueira” (Assis Valente e Zequinha Reis), “A Mangueira é Lá no Céu” (Maurício Tapajós e Hermínio Bello de Carvalho) e “Sei Lá, Mangueira” —que ela optou por recitar. A beleza dos versos de Hermínio fica ressaltada, mas faz falta a melodia de Paulinho da Viola.

Ela também recita a maior parte de “Histórias para Ninar Gente Grande”, a composição de Manu da Cuíca, Luiz Carlos Máximo e outros que vem sendo considerad­a o melhor samba-enredo da década.

Sem se ater à agremiação como tema das letras, ela gravou dois sambas tristes (como não?) de Nelson Cavaquinho: “A Flor e o Espinho”, parceria com Guilherme de Brito, e “Luz Negra”. São as melhores passagens do álbum —Bethânia noturna, sublinhand­o dores, como faz à perfeição.

As duas canções de Nelson transcende­m o conceito do projeto e vão sobreviver para além dele. As outras faixas se prendem mais à manifestaç­ão de gratidão que a artista fez questão de demonstrar à mais popular das escolas de samba. Não é pouco.

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Jorge Bispo/Divulgação A cantora Maria Bethânia

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