Folha de S.Paulo

Insensibil­idade social

- Antonio Delfim Netto Economista e ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici). Escreve às quartas

As avaliações das condições sociais e econômicas de um país podem ser dele consigo mesmo. No nosso caso, é péssima. Ainda mais significat­iva é a comparação da dele com a dos outros, para medir a sua posição relativa, o que dá uma ideia da “qualidade” da administra­ção dos seus recursos.

Todas as medidas de “bemestar geral” (que incluem a liberdade individual, a mobilidade social e a eficiência produtiva) —uma espécie de felicitôme­tro— são sujeitas a chuvas e trovoadas. Parece plausível, entretanto, a hipótese de que elas terão uma alta correlação com o “ambiente de negócios”, medido pelo Doing Business, do Banco Mundial. Tanto é assim que o presidente Bolsonaro em suas poucas palavras em Davos, no início de seu governo, disse que seu objetivo era ver o Brasil na quinquagés­ima posição do ranking mundial em 2022. Onde estamos hoje? No indicador de 2017 estávamos na 109ª posição entre os 190 avaliados. Em 2019, o Brasil foi colocado na 124ª posição. Não indica, necessaria­mente, que pioramos. Apenas, que “melhoramos menos” do que os outros...

Diante desse quadro pavoroso, não deveria espantar ninguém que o ilustre ministro Guedes —com o apoio relutante do núcleo palaciano— tenha proposto uma ambiciosa revolução na administra­ção pública. Esta é hoje controlada por uma “casta corporativ­a” que se apropriou, depois da Constituiç­ão de 1988, de boa parte do excedente produtivo da nação.

Ela subtrai recursos dos investimen­tos públicos, o que empobrece o país, aumenta a desigualda­de de renda e reduz a igualdade de oportunida­des, causas importante­s do “malaise” que ataca a sociedade brasileira.

O que é de espantar é que a resposta a tais propostas no Congresso foi a sua rápida movimentaç­ão para aprovar uma PEC de 2015, de autoria da senadora Gleisi, que permitirá a deputados e senadores negociarem livremente com governador­es e prefeitos suas emendas parlamenta­res (agora obrigatóri­as) sem nenhuma coordenaçã­o com os programas federais. É a volta da “escola risonha e franca”! Trata-se de um intoleráve­l desperdíci­o de recursos, do qual se retira o controle do TCU, da PF, do MPF, da CGU contra os pareceres técnicos da própria casa.

Trata-se do maior desserviço do poder Legislativ­o prestado contra o controle das atividades políticas duvidosas que nos levaram aonde estamos. Podemos conviver e corrigir eventuais “abusos de poder” dos órgãos controlado­res, mas não podemos, sem consequênc­ias dramáticas, desativá-los e entregar aos órgãos de controle dos estados e municípios o uso dos recursos federais, porque sabemos o que eles são...

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