Folha de S.Paulo

Desconfian­ça sobre falsificaç­ões ronda o legado do artista

- Gabriela Longman

são paulo Autenticar obras e fazer um catálogo raisonné —compêndio de todas as obras— de um grande artista é um processo delicado, envolve pesquisa, interesses de mercado e da família herdeira.

No caso de Antonio Bandeira, uma desconfian­ça de pesquisado­res e marchands paira sobre a entidade que leva o nome do pintor. Isso porque o Instituto Bandeira certificou nos últimos anos cerca de cem obras cuja proveniênc­ia é tida como duvidosa. Um bom quadro de Bandeira vale entre R$2 e R$4 milhões.

“Todo o espólio dele foi vendido num leilão no MAM do Rio em 1969. Eram obras bem do fim do ateliê, desenhos sem assinar. Essa sob rasque apareceram nos últimos dois anos, onde estavam? De onde vieram?”, pergunta um dos mais importante­s marchands do Rio, que não quis se identifica­r.

As obras tidas como “duvidosas” não constam da exposição inaugurada pelo MAM, masa mera presença do logo do Instituto vem incomodand­o os profission­ais. Um colecionad­or paulistano disse que só aceitou emprestar obras para a exposição depois de se certificar que todas as obras vinham de coleções “confiáveis”.

Judicialme­nte detentor dos direitos autorais das obras de Bandeira, o instituto capitanead­o por Nilson e Francisco Bandeira, sobrinhos do pintor, surgiu em dezembro de 2016. Em 2017, organizou, entre outros, a exposição “Do Crepúsculo ao Noturno”, no Museu da República, em Brasília, e, como forma de autenticar as obras, passaram a usar um selo dourado a que os marchands tradiciona­is não dão confiança.

Já a publicação do catálogo raisonné de Bandeira estava prevista para agosto de 2017, quando uma grande exposição do pintor foi inaugurada na Fundação Edson Queiroz, em Fortaleza. A Folha apurou que o processo empacou porque o Instituto Bandeira se recusou a ceder os direitos autorais das obras “legítimas”, caso as tidas como “duvidosas” não fossem incluídas.

“Todo o processo de pesquisa está feito, aguardando uma última aprovação do patrocinad­or [Fundação Edson Queiroz]”, diz Ricardo Ribenboim, dono da Base7 projetos culturais, responsáve­l pela empreitada. Segundo ele, trata-se de uma catalogaçã­o de mil pinturas em diferentes superfície­s, mas parcial, que não contempla, por exemplo, desenhos e trabalhos em papel. Não existe uma data prevista para impressão e lançamento da publicação.

Descontent­e com o atraso, o Instituto Bandeira criou sua própria versão do catálogo, cujo primeiro volume será lançado em janeiro, com patrocínio da Advocacia Rocha Marinho e do Governo do Ceará.

“Devemos isso para a sociedade e não podemos mais esperar”, diz Francisco Bandeira. “O deles [Base7] é um catálogo acadêmico. O nosso é raisonné, com todas as obras tendo passado por certificaç­ão e perícia”, afirma Carlos Feldman, que assina catalogaçã­o e pesquisa.

A exposição é a terceira grande retrospect­iva do pintor depois de uma no MAM do Rio, em 1969, e a organizada por Vera Novis no Masp, em 1995.

“Faço questão de explicitar que não tenho nada a ver com essa [do MAM]. Sou zelosa guardiã da obra de Bandeira: um cão de guarda que avança quando necessário, e isso incomoda, às vezes”, diz Novis, responsáve­l também pela grande mostra do artista na Unesco, em Paris, em 2010. A pesquisado­ra havia aceitado trabalhar no catálogo raisonné, mas se desligou do processo depois de três meses por problemas de saúde.

Antonio Bandeira

MAM-SP, pq. Ibirapuera, av. Pedro Álvares Cabral, s/nº. Ter. a dom., das 10h às 17h30. Até 1º/3. R$ 10; sáb., grátis

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