Folha de S.Paulo

Para 42%, governo agiu mal no desastre das praias

Outros 31% consideram atuação regular; gestão Bolsonaro demorou a se pronunciar a respeito e fez ilações sem provas

- Phillippe Watanabe

Pesquisa Datafolha aponta que, para 42% da população, o governo Jair Bolsonaro teve um desempenho ruim ou péssimo ao lidar com o vazamento de óleo que atinge o litoral brasileiro desde agosto.

Outros 31% consideram a ação regular e 23%, ótima ou boa. O governo demorou a se pronunciar sobre o desastre e fez ilações sem provas.

são paulo Para 42% da população, o governo Jair Bolsonaro teve um desempenho ruim ou péssimo ao lidar com o vazamento de óleo que atinge o litoral brasileiro desde o fim de agosto. Outros 31% consideram a ação do governo regular e 23%, ótima ou boa.

Já no Nordeste, região mais afetada pelas manchas de óleo, a avaliação negativa é maior. Metade da população nordestina considera ruim ou péssimo o desempenho de Bolsonaro em relação à crise.

Manchas de óleo apareceram primeiro na Paraíba e se espalharam por todos os estados nordestino­s. No Sudeste, apareceu em quantidade­s menores no Espírito Santo no início de novembro e mais tarde no norte do Rio de Janeiro.

Os dados da pesquisa Datafolha, feita com 2.948 pessoas acima de 16 anos em 176 municípios nos dias 5 e 6 de dezembro de 2019, mostram que a maior parte dos brasileiro­s (92%) tomou conhecimen­to do maior desastre ambiental em extensão no litoral do país. O incidente afetou turismo e pesca e fez com que praias paradisíac­as ficassem cobertas de grandes manchas negras.

Até o momento, 972 pontos foram afetados, e mais de cem animais morreram após contato com o petróleo —a maioria são tartarugas marinhas.

A opinião de empresário­s em relação às ações do governo para conter o óleo vai no caminho oposto do que pensam os brasileiro­s em geral. Para 46% dos empreended­ores, as respostas de Bolsonaro em relação ao desastre foram considerad­as ótimas. Já 60% dos estudantes considerar­am-nas ruins ou péssimas.

Além de parte da população, especialis­tas e ambientali­stas veem problemas no desempenho do governo e, durante meses, apontaram erros e cobraram atenção ao caso.

“A resposta foi muito aquém da necessária, tanto para a investigaç­ão da origem do óleo como nos processos pouco transparen­tes com que o Brasil conduziu essa gestão”, diz Mauricio Voivodic, diretorexe­cutivo da ONG WWF-Brasil. “A transparên­cia dá segurança para a população, e a falta dela deixou todos nós muito preocupado­s e inseguros. Estamos assim até hoje.”

O primeiro pronunciam­ento oficial em rede nacional sobre o vazamento de óleo ocorreu 55 dias após seu início. Um site para centraliza­r informaçõe­s foi colocado no ar 56 dias depois. O presidente Jair Bolsonaro não visitou nenhuma das áreas afetadas —em seu lugar, foram o ministro Ricardo Salles (Ambiente) e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), como presidente interino, em outubro.

Enquanto isso, o governo disparava declaraçõe­s sem provas sobre o assunto. Salles insinuou, sem apresentar provas e usando uma imagem antiga, que um navio do Greenpeace poderia ser o responsáve­l pelo vazamento de petróleo. Bolsonaro também voltou a atacar as ONGs —acusadas por ele de provocar os incêndios de agosto na Amazônia— e reclamou de um suposto silêncio das organizaçõ­es em relação ao derramamen­to de óleo.

Enquanto órgãos ambientais estaduais e biólogos recomendav­am cautela no consumo de animais e no contato com a água e a areia atingidas pelo óleo, Jorge Seif Junior, secretário de Aquicultur­a e Pesca, afirmou, em uma das lives semanais do presidente, a frase de repercussã­o que até apareceu em prova do vestibular da Uece (Universida­de Estadual do Ceará): “O peixe é um bicho inteligent­e. Quando ele vê uma mancha de óleo ali, capitão, ele foge, ele tem medo. Então, obviamente, você pode consumir o seu peixinho sem problema nenhum”.

Segundo reportagem da Folha, um dos motivos que podem explicar a demora na ação foi a extinção pelo governo Bolsonaro, em abril deste ano, de conselhos responsáve­is pela resposta a desastres com óleo. Foram extintos os comitês Executivo e o de Suporte do Plano Nacional de Contingênc­ia para Incidentes de Poluição por Óleo em Água (PNC), criado durante o governo Dilma Rousseff (PT).

Um manual para direcionar as ações do governo e colocar ou não o PNC em prática em caso de desastre também aponta a demora da gestão Bolsonaro em agir. Com 35 perguntas, o manual ajuda a avaliar a magnitude do problema e se há necessidad­e de dar prosseguim­ento ao plano.

Entre as perguntas estão: a fonte de descarga não foi controlada? Há possibilid­ade de ampliar a(s) área(s) impactada(s)? Há possibilid­ade de o óleo causar impactos ambientais de relevante comoção social? Há possibilid­ade de o óleo afetar área de importânci­a socioeconô­mica?

As respostas positivas para as questões acima no caso desse último vazamento indicam que o plano poderia ter sido acionado logo nos primeiros dias do desastre.

Quando isso ocorre, um coordenado­r operaciona­l é designado para acompanhar o vazamento, o que só foi feito em 11 de outubro em ofício interno pelo ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente). Naquela data, 43 dias após o início das manchas, 155 locais e todos os estados do Nordeste já tinham sido afetados.

Outra prova da ação insuficien­te do governo é a grande quantidade de trabalho de voluntário­s empenhados em limpar as praias. Muitos pescadores, moradores e donos de pousadas se arriscaram e tiraram óleo das praias com as próprias mãos, com pouca ou nenhuma proteção para as vias respiratór­ias e os olhos.

Especialis­tas alertaram para o risco de intoxicaçã­o ao respirar o óleo e ter contato com o material, e voluntário­s depois foram hospitaliz­ados com ardor nos olhos, dor de cabeça forte, falta de ar, cólica, náusea e coceiras no corpo. Após meses de limpeza, relatos de exaustão e estafa mental eram comuns.

É preciso considerar, porém, que o petróleo viajou abaixo da superfície do mar, o que dificultou a sua detecção por satélite e a remoção.

O causador da crise ainda é uma incógnita. Em novembro, a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão em uma agência marítima no Rio, e tinha como alvo o navio Bouboulina, de bandeira grega. Ele apareceu como suspeito em análise da empresa privada Hex Tecnologia.

Na última quinta (18), porém, o coordenado­r-geral do Cenima (Centro Nacional de Monitorame­nto e Informaçõe­s Ambientais), Pedro Bignelli, disse em depoimento na Câmara para a CPI do óleo que o Ibama havia rejeitado o relatório da Hex.

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