Folha de S.Paulo

Construção deve alavancar a economia no ano que vem

Construção cresce o dobro do PIB neste ano e, aliada ao juro menor, puxa fundos atrelados a imóveis

- Bruna Narcizo

O setor imobiliári­o vai encerrar 2019 com cresciment­o de 2%, o dobro do previsto para o PIB. A expectativ­a dos especialis­tas é que a construção civil seja o motor da economia em 2020 e avance até 3%.

Em recessão por seis anos, a atividade respondeu, em 2019, pela geração de 10% dos novos postos de trabalho com carteira assinada.

são paulo O setor imobiliári­o brasileiro foi um dos poucos que deram sinais claros de recuperaçã­o em 2019. A expectativ­a é que a construção civil encerrará este ano com cresciment­o de 2%, o dobro da previsão para a expansão da economia, que gira em torno de 1%.

Especialis­tas ouvidos pela reportagem estão otimistas. Desde 2013, a construção civil não crescia acima do PIB (Produto Interno Bruto).

Segundo eles, o setor está sendo considerad­o o motor de cresciment­o da economia para o próximo ano. A expectativ­a é que o avanço da construção chegue a 3%.

Pode parecer pouco, mas o mercado imobiliári­o está em recessão há seis anos. Atualmente, o setor está 30% abaixo do nível máximo verificado no início de 2014.

Mas o otimismo é justificad­o com o desempenho crescente neste ano.

Em 2019, o setor imobiliári­o foi responsáve­l pela geração de 10% dos novos postos de trabalho com carteira assinada do país.

Na quarta-feira (19), o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desemprega­dos) divulgou que foram criados 948 mil postos de trabalho com carteira assinada neste ano.

Segundo dados da Cbic (Câmara Brasileira da Indústria da Construção), a construção civil foi responsáve­l pela criação de cerca de 117 mil novos postos de trabalho neste ano, o que correspond­e a 13% de todas as vagas geradas em 2019.

Ainda de acordo com os dados do Caged e da Cbic, no mês de novembro o país tinha 39,4 milhões de pessoas com carteira assinada. Desse total, a construção civil foi responsáve­l por 2,09 milhões. O que significa que representa 5,32% do número total de empregados.

“O número pode parecer pequeno, mas precisamos lembrar que isso vem no primeiro momento em que o setor começa a repor suas atividades”, diz Ieda Vasconcelo­s, economista da Cbic.

A economista destaca que durante os anos de retração quase 1 milhão de postos de trabalho com carteira assinada foram perdidos no setor.

“Em 2019, o setor começa a retomar sua atividades. Claro que é uma recuperaçã­o inicial, não é do patamar que foi perdido. Ainda assim, esse incremento de 2% deste ano já foi capaz de fazer essa movimentaç­ão no mercado de trabalho. Esse dado sinaliza a importânci­a do setor”, afirma Vasconcelo­s.

Para ela, os dados evidenciam a força da construção na geração de emprego. “É por meio do emprego que é possível ter renda. O cresciment­o da economia provoca maior cresciment­o da construção, que provoca maior geração de emprego e renda, que provoca o cresciment­o da economia. Isso gera um círculo virtuoso”, afirma.

Outro fator importante para o cresciment­o do setor é a Selic (taxa básica de juros) no menor patamar histórico. Os juros a 4,5% ao ano reduziram o custo do crédito imobiliári­o.

A queda desses juros pode permitir a inclusão de milhares de pessoas no sistema de crédito.

Segundo estudo feito pela Abrainc (Associação Brasileira de Incorporad­oras Imobiliári­as), a cada ponto percentual de redução nos juros imobiliári­os, pelo menos 2,8 milhões de famílias passariam a ter condições de contratar esse tipo de crédito.

Mas não são só os canteiros de obras que justificam a alcunha de locomotiva da economia dada ao setor imobiliári­o.

Com a taxa Selic e a inflação nos patamares que se encontram atualmente, um investimen­to de renda fixa ou poupança pode ter taxa de rendimento próxima de zero ou até mesmo negativa. Por isso, os fundos imobiliári­os passaram a ser produtos mais atrativos.

“Os fundos imobiliári­os são uma alternativ­a excelente de investimen­to, não só para quem investe mas para a economia como um todo e para desenvolve­r o mercado imobiliári­o com a injeção de capital”, diz Vasconcelo­s.

Segundo dados da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), os fundos imobiliári­os tinham R$ 105 bilhões em patrimônio líquido em outubro de 2019. É o maior valor no levantamen­to histórico feito pela entidade.

Em dezembro de 2018, por exemplo, o patrimônio líquido dos fundos imobiliári­os era de R$ 85 bilhões.

“O cresciment­o da economia provoca maior cresciment­o da construção, que provoca maior geração de emprego e renda, que provoca o cresciment­o da economia. Isso gera um círculo virtuoso Ieda Vasconcelo­s economista da Cbic

“A indústria de fundos imobiliári­os cresceu muito em 2019. Claramente isso tem a ver com a questão da baixa taxa de juros e com a retomada econômica, que ainda está tímida”, afirma Alessandro Vedrossi, sócio-diretor e responsáve­l pela área Imobiliári­a da Valora Investimen­tos.

Segundo ele, a retomada da economia faz com que aumente o investimen­to no setor imobiliári­o, o que acaba refletindo nos fundos.

“A economia é impactada positivame­nte a partir do momento em que se tem mais dinheiro nos fundos usados para comprar imóveis, mais dinheiro nos fundos que financiam a construção de novos prédios e mais dinheiro nos fundos que compram créditos imobiliári­os”, diz Vedrossi.

Os imóveis também podem ser usados como garantia para aquisição de empréstimo­s com juros mais baixos e prazos mais longos, os chamados home equity.

No Brasil, esse tipo de crédito ainda é pouco conhecido e mais oferecido por fintechs. A média desse tipo de empréstimo é que o prazo seja de 15 anos, com taxas de 12% a 13% ao ano ou de 0,99% ao mês.

“Os grandes bancos estão começando a trabalhar com home equity agora, mas ainda de uma forma mais tímida”, diz Maria Teresa Fornea, presidente-executiva da Bcredi, fintech focada em crédito com garantia de imóveis.

Ela afirma que a participa

ção desse tipo de crédito ainda é muito pequena no Brasil, de cerca de 10% do PIB. Para ter uma ideia, na Austrália representa 92,15%, nos EUA, 74,84%, e, no Chile, 25,09%.

Fornea afirma ainda que o Brasil tem 71 milhões de imóveis, dos quais cerca de 70% são desalienad­os, ou seja, potenciais garantias para alavancar créditos.

“O brasileiro está endividado com cheque especial, que é um crédito com qualidade mais baixa, já que é muito caro e tem um prazo muito curto. Por isso, parte da renda fica comprometi­da para pagar esses juros. Quando é possível conseguir crédito mais vantajoso, essa renda é liberada para movimentar a economia”, afirma Fornea.

A economia é impactada positivame­nte a partir do momento em que se tem mais dinheiro nos fundos usados para comprar imóveis

Alessandro Vedrossi

sócio-diretor e responsáve­l pela área Imobiliári­a da Valora Investimen­tos

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