Folha de S.Paulo

Valorizaçã­o da arte popular trouxe alívio à crise financeira dos museus em 2019

Valorizaçã­o da arte popular marcou 2019 de crise financeira nos museus

- Clara Balbi

são paulo Encerrada em julho, quando bateu o recorde de público do Masp, com mais de 402 mil visitantes, a exposição de Tarsila do Amaral continua a ser procurada. Há uma semana, uma recepcioni­sta contou à reportagem que as ligações sobre o horário de visitação de ‘Tarsila Popular’ não cessaram até hoje.

A busca, mesmo que atrasada, ajuda a entender a importânci­a da exposição no calendário cultural paulistano e —por que não?— do país.

Afinal, antes de se tornar a mostra mais popular do Masp, ela quebrou outro recorde da instituiçã­o. Foi a exposição de um artista brasileiro mais visitada de sua história. Após o ano de 2017, em que as artes visuais estiveram na mira dos conservado­res,asfilasqui­lométricas que se formaram no vão do museu e as pelejas por uma selfie com o “Abaporu” (1928), não deixam de ser esperança de uma relação menos bélica entre público e obras de arte.

Enquanto Tarsila e tantas outras artistas mulheres que guiaram a programaçã­o do museu neste ano faziam a festa na avenida Paulista, nos demais centros culturais da cidade o Nordeste se consagrou como sinônimo de resistênci­a.

Única região do país em que Jair Bolsonaro perdeu nas eleições presidenci­ais, ela apareceu em “À Nordeste”, no Sesc 24 de Maio, em “Vaivém”, no Centro Cultural Banco do Brasil, na retrospect­iva do baiano Marepe, na Estação Pinacoteca, e na Panorama do MAM paulistano, “Sertão”.

Tanto nessas exposições quanto no Masp, o uso de técnicas manuais e materiais têxteis, típicas do artesanato popular, ganhou os holofotes, e a revisão de hierarquia­s convencion­ais ditou a forma como as obras ocuparam os espaços.

Por aqui, o mais radical desses experiment­os foi provavelme­nte “À Nordeste”, que exibiu trabalhos de Cândido Portinari e Romero Britto em pé de igualdade. Mas a tendência parece ser global, com o novo MoMA, reaberto após quatro meses de reformas, reorganiza­ndo sua coleção de forma mais livre.

O Nordeste ainda fez uma participaç­ão especial na Bienal de Veneza. No pavilhão do Brasil da mostra de arte contemporâ­nea, a dupla formada por Bárbara Wagner e Benjamin de Burca exibiu um curta-metragem e uma série fotográfic­a protagoniz­ada por dançarinos de swingueira, cujas coreografi­as rebolativa­s viraram febre na periferia do Recife.

Batizada de “Swinguerra”, a obra mostra dançarinos negros e transexuai­s jurando lealdade à bandeira.

Então secretário especial de Cultura, Henrique Pires esteve na abertura da mostra, em maio. Na época, em entrevista à Folha, negou que havia qualquer movimento de censura às artes por parte do governo.

Mas em agosto, após deixar o posto, Pires disse ao jornal que o ministro da Cidadania, Osmar Terra, não visitou o espaço porque “Swinguerra” é protagoniz­ada por uma dançarina transexual. O Ministério da Cidadania não respondeu às perguntas enviadas pela reportagem na ocasião.

Ao mesmo tempo, 2019 foi um ano em que os museus puderam respirar aliviados.

Temerosos em relação às mudanças na Rouanet anunciadas por Bolsonaro —a lei, que rege os incentivos fiscais para a cultura, foi uma das mais atacadas na campanha presidenci­al—, os planos anuais das instituiçõ­es ficaram de fora do teto de R$ 1 milhão por proponente estabeleci­do pelo novo governo. E mesmo as exposições de arte foram considerad­as exceções, podendo inscrever projetos de até R$ 6 milhões.

São Paulo até ganhou um novo museu. Vinculado ao Museu da Imagem e do Som, o MIS Experience abriu com uma exposição sobre Leonardo da Vinci que vendeu 14 mil ingressos antes mesmo de abrir. Fora da capital paulista, no entanto, a crise econômica atingiu diversas instituiçõ­es.

O MAR, Museu de Arte do Rio, deu aviso prévio a todos os seus funcionári­os no início do mês passado. A prefeitura não fazia repasses ao Instituto Odeon, organizaçã­o social que administra o museu, desde setembro, e seu diretor cultural, Evandro Salles, se demitiu após criticar a gestão de Marcelo Crivella. Além do MAR, o vizinho Museu do Amanhã também passou por dificuldad­es financeira­s.

Há menos de uma semana, a prefeitura enfim repassou os aportes necessário­s para que o MAR não feche, e informou que está finalizand­o as discussões sobre o pagamento da parcela restante do aditivo do plano de trabalho para o ano que vem.

Outra instituiçã­o que sofreu foi o Inhotim, em Minas Gerais. Em janeiro, o rompimento de uma barragem de dejetos da mineradora Vale inundou de lama a cidade de Brumadinho, onde fica o parque, e causou a morte de 251 pessoas.

Muitos deles eram conhecidos dos funcionári­os do parque, e o trauma se juntou a uma queda da visitação após a tragédia e à perda de patrocínio­s. Uma série de inauguraçõ­es em novembro buscou trazer um sopro de vida ao instituto, que no ano que vem, já com mais empresas no rol de patrocinad­ores, abre um pavilhão dedicado à artista japonesa obcecada por bolinhas Yayoi Kusama.

Enquanto isso, outros espaços ao ar livre ganham força pelo país. Em Itu (SP), a Fundação Marcos Amaro inaugurou o Fama Campo, que convida artistas a explorarem um grande espaço verde. Já em Água Preta, na zona da mata pernambuca­na, o parque da usina Santa Terezinha ganhou uma instalação do cubano Carlos Garaicoa.

No mercado de arte, o ano que vem pode ver mais uma fusão promovida pelos sócios da galeria Almeida e Dale, Antonio Almeida e Carlos Dale. Seu espaço, que no início do ano se associou à galeria Leme, criando a Leme/ AD, preparava uma junção desta com a galeria Millan.

A galeria deles foi alvo de um mandado de busca e apreensão da operação Lava Jato em setembro, por possível lavagem de dinheiro no caso que levou à prisão do filho do exministro Edison Lobão.

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1 Filas para a mostra de Tarsila do Amaral no Masp, em abril
Danilo Verpa/Folhapress 1 1 Filas para a mostra de Tarsila do Amaral no Masp, em abril

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