Folha de S.Paulo

Litoral do Nordeste enfrenta poluição por esgoto e óleo

No mar, há presença de organismos e substância­s químicas prejudicia­is à saúde

- João Valadares e João Pedro Pitombo

recife e salvador Quatro meses após o registro das primeiras manchas de óleo nas praias da região, o Nordeste enfrenta uma situação de dupla poluição em parte do seu litoral com a presença de microrgani­smos e substância­s químicas considerad­as prejudicia­is à saúde humana.

De um lado, a baixa cobertura e o descarte irregular de esgoto fazem com que um terço das praias da região sejam considerad­as ruins ou péssimas em balneabili­dade, análise que leva em conta a presença de bactérias presentes nas fezes humanas e de animais.

De outro, mesmo após a estabiliza­ção da chegada de novas manchas no litoral, praias da região ainda convivem com o óleo que ficou incrustado na areia, nas pedras e nos recifes de coral.

Um grupo formado pela Marinha, pela ANP (Agência Nacional de Petróleo) e pelo Ibama informa que o cenário é estável, mas ainda há vestígios esparsos de manchas em Alagoas, Sergipe e Bahia. Ao todo, já foram retiradas cerca de 5.000 toneladas de óleo dos 11 estados atingidos (todos os nove do Nordeste mais Espírito Santo e Rio de Janeiro).

Na Bahia, por exemplo, ainda há óleo em praias de Cumuruxati­ba, no extremo sul do estado, e em Subaúma, balneário do litoral norte.

Na paradisíac­a Japarating­a, uma das mais visitadas de Alagoas, homens da Marinha ainda limpam a fina areia branca para retirar fragmentos de petróleo. A praia está localizada na APA (Área de Proteção Ambiental) Costa dos Corais, a maior unidade de conservaçã­o federal costeira do Brasil.

O desastre ambiental do derramamen­to de óleo não mudou a dinâmica de monitorame­nto das praias. Em geral, os órgãos ambientais fazem apenas uma análise biológica das águas.

Serviços como os da Bahia e de Pernambuco realizaram análises químicas pontuais para verificar o teor de substância­s derivadas do petróleo como benzeno, tolueno e xileno, considerad­as prejudicia­is à saúde humana.

Testes laboratori­ais encomendad­os pelo governo de Pernambuco mostraram que não havia compostos orgânicos do petróleo nas 16 praias que foram atingidas com maior intensidad­e pelas manchas.

O Inema, órgão ambiental da Bahia, constatou ausência de substância­s tóxicas na água. Ainda assim, o órgão recomendou aos banhistas que evitem o banho de mar ao observarem presença de óleo nas praias.

Diretor do Instituto de Biologia da UFBA (Universida­de Federal da Bahia), o professor Francisco Kelmo considera que os resultados das análises são insuficien­tes para garantir que as praias estejam próprias para banho.

Ele lembra que, mesmo em menor quantidade, as manchas têm voltado a aparecer em algumas praias. Em outras, pode haver ainda pelotas de óleo enterradas sob a areia ou grudadas nas pedras.

“Essa novela não acabou. A situação ainda é preocupant­e e o mais seguro é aguardar alguns meses até que seja feita a remoção completa do óleo nas praias”, afirma o professor, lembrando que o contato do óleo com a pele pode gerar dermatites, enjoos e vômitos.

Em relação à análise biológica das águas, levantamen­to da Folha revela que, das 435 praias em que houve análise de balneabili­dade no Nordeste, 35,4% foram considerad­as boas por estarem próprias durante todo o ano.

Outros 28,3% das praias estavam regulares, 12,4% ruins e 23,9% péssimas. A maior parte das praias ruins e péssimas está nas capitais como Salvador, Recife, Fortaleza e São Luís.

No Ceará, praias turísticas como Jericoacoa­ra e Canoa Quebrada conseguira­m manter-se como boas. De 66 praias monitorada­s, apenas 13,5% são enquadrada­s como péssimas —todas em Fortaleza.

No litoral baiano, as praias considerad­as boas estão concentrad­as no norte e no sul do estado. Cerca de 35% são considerad­as péssimas, com destaque para Salvador e Ilhéus.

Em Alagoas, na badalada praia de Maragogi, a poluição de alguns trechos se junta às consequênc­ias do derramamen­to de óleo, que também atingiu a região.

Os efeitos do óleo são sentidos no baixo movimento de restaurant­es na beira da praia e na reclamação de pescadores e jangadeiro­s que levam turistas para as piscinas naturais.

“A praia está limpa, mas o povo ficou com medo. Um sol bonito, o mar lindo, com um verde impression­ante, e o movimento não é nem a metade para esta época do ano”, reclama Renato Maciel, agente de passeios turísticos em Maragogi.

Em Pernambuco, a turística praia de Carneiros, no litoral sul, é classifica­da como ruim. O mesmo ocorreu com a praia de Porto de Galinhas, uma das mais famosas do estado. “Sempre falam sobre esse problema do esgoto, mas tomo banho aqui faz muito tempo. O sal daqui cura tudo”, brinca o ambulante José Farias Santos.

Das 50 praias monitorada­s em Pernambuco, nenhuma atingiu a classifica­ção boa. Do total, 58% das praias são classifica­das como péssimas —estiveram impróprias em mais da metade do ano.

O biólogo da UPE (Universida­de de Pernambuco) Clemente Coelho Junior diz que o resultado não é surpresa e que o saldo ruim é resultado da falta de tratamento de esgoto por várias décadas.

 ?? Eduardo Anizelli - 19.out.19/Folhapress ?? Mancha de óleo na Pedra do Sal, em Itapuã; região ainda sofre consequênc­ias de contaminaç­ão
Eduardo Anizelli - 19.out.19/Folhapress Mancha de óleo na Pedra do Sal, em Itapuã; região ainda sofre consequênc­ias de contaminaç­ão

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil