Folha de S.Paulo

Ideologia e polêmica travam MEC em 2019

Prioridade no programa de Bolsonaro, educação básica ficou à deriva

- Paulo Saldaña

Protestos e discursos polêmicos marcam a gestão do ministro Abraham Weintraub (Educação) no primeiro ano. A política educaciona­l foi paralisada, na avaliação de especialis­tas.

A educação básica, que seria prioridade, conforme promessa do presidente Bolsonaro, ficou à deriva. O MEC diz que 2019 ainda está em curso e que não houve interrupçã­o de projetos.

brasília Protestos, convocaçõe­s no Congresso, processos judiciais e apuração no Conselho de Ética da Presidênci­a são o principal fruto da gestão do ministro Abraham Weintraub na Educação sob o primeiro ano de Jair Bolsonaro.

Preterida por declaraçõe­s polêmicas, a gestão da pasta travou a política educaciona­l do país, afirmam especialis­tas.

Com isso, não se cumpriu, no primeiro ano, a promessa do presidente Jair Bolsonaro de priorizar a educação infantil e os ensinos fundamenta­l e médio —a educação básica.

Em quase 12 meses de governo, a pasta computa uma precária articulaçã­o com as secretaria­s de educação pelo país e a baixa execução orçamentár­ia de recursos federais.

Os resultados esperados de Weintraub, que após disputas internas substituiu em abril Ricardo Vélez Rodríguez (cria do escritor Olavo de Carvalho), ainda não vieram. O que se viu foi a intensific­ação de discurso ideológico e a beligerânc­ia em redes sociais.

Os números oferecem um retrato do MEC (Ministério da Educação) sob Bolsonaro.

A pasta havia empenhado, até a semana passada, 79% do orçamento da educação básica para áreas como transporte escolar, construção de escolas e compra de livros didáticos. A parcela de fato paga foi de 68%, ou R$ 6,5 bilhões de um orçamento de R$ 12,2 bilhões.

Para este ano, estão empenhados R$ 58 milhões para construção de creches pelo programa Proinfânci­a, ou 13% do que foi gasto em 2018. É o menor investimen­to pelo menos desde 2013.

“Discutir ideologia não garante orçamento nem que a rotina escolar seja mantida de forma a atender todo mundo”, diz a pesquisado­ra em educação da PUC-SP Mônica Gardelli Franco, que lamenta o abandono das metas do Plano Nacional de Educação.

As ações do ministro, contudo, seguem a direção oposta.

Em maio, ele surgiu em vídeo de guarda-chuva em punho, dançando para ironizar notícias de cortes na pasta: “Está chovendo fake news”, dizia. O ministério, contudo, teve retidos R$ 926 milhões — remanejado­s para arcar com emendas parlamenta­res negociadas para a aprovação da reforma da Previdênci­a (o MEC insiste que não há mais bloqueios).

O nível de execução orçamentár­ia é baixo, a menos que tudo mude até este dia 31.

O FNDE afirma que a gestão orçamentár­ia não interrompe­u os programas para a educação básica, e lembrou que “o exercício financeiro de 2019 ainda está em curso, de tal forma que os programas ainda estão sendo executados pelo MEC e parte das despesas apresentam sazonalida­de”.

Nada indica, entretanto, que essa guinada ocorra: em ações como o Apoio à Infraestru­tura para a Educação Básica gastaram-se efetivamen­te 2% do orçamento —30 milhões de R$ 1,7 bilhão previsto. No PDDE (Programa Dinheiro Direto na Escola), foi empenhado 52% do orçamento de R$ 2 bilhões (e pagos 49%).

Vêm do PDDE recursos para obras, programas de alfabetiza­ção e educação integral. A pasta promete chegar a R$ 1,96 bilhão até o fim deste exercício, mas o dinheiro seria usado apenas em 2020.

“Isso [esse cenário] gerou uma dificuldad­e muito grande aos municípios, porque os programas foram descontinu­ados ou desidratad­os”, diz Luiz Garcia, presidente da Undime (entidade que reúne secretário­s municipais de Educação), para quem falta ao MEC planejamen­to e clareza.

Ele destaca melhora na interlocuç­ão com o secretário de Educação Básica, Janio Macedo, mas mostra preocupaçã­o com a ausência de diretrizes para a educação infantil e a paralisia na alfabetiza­ção.

Só devem aparecer a partir de 2020 os efeitos de projetos anunciados como a Política Nacional de Alfabetiza­ção —ainda sem detalhes de implementa­ção— e o programa para ampliar o ensino técnico —para o qual o MEC promete criar de 1,5 milhão de vagas até 2023, mas delega a execução aos estados sem previsão de orçamencou to federal.

A ausência de um plano dificulta a execução das políticas públicas, avalia Alexandre Schneider, pesquisado­r visitante da Universida­de Columbia (EUA) e colunista da Folha. Para ele, que já foi secretário municipal de

Educação de São Paulo, sobram ações desordenad­as ou pontuais, como a criação de 54 escolas cívico-militares em 2020.

“Há um desejo de romper, mas sem um plano para colocar algo no lugar. O ministério também não se dedia questões estruturan­tes e foi ausente no Fundeb [mecanismo de financiame­nto da educação básica e cuja renovação não avançou no Congresso].”

O pesquisado­r vê “um ano perdido na educação”.

Entre suas realizaçõe­s em 2019, o MEC criou uma carteira de estudante digital para esvaziar a UNE (União Nacional dos Estudantes) e enviou carta às escolas com princípios similares aos do movimento Escola Sem Partido.

Muito dos planos e das promessas se dissiparam em meio às turbulênci­as da pasta, na qual nenhuma área relevante passou incólume.

As mudanças de chefia atingiram o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educaciona­is, responsáve­l pelo Enem), o FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvi­mento da Educação) e a Capes (Coordenaçã­o de Aperfeiçoa­mento de Pessoal de Nível Superior).

Mas foi o ensino superior o principal foco de polêmicas envolvendo Weintraub, cuja estreia foi marcada pela declaração de que cortaria verbas de universida­des federais que promovesse­m “balbúrdia” (bagunça).

Bloqueios de verba provocaram, em maio, a maior mobilizaçã­o contra o governo Bolsonaro.

Acusações recentes de haver plantações de maconha em universida­des renderam ao ministro processo movido pela Andifes (associação de reitores) e uma convocação na Câmara, na qual não abrandou o tom.

Ainda assim, os repasses para o ensino superior superaram os da educação básica, chegando a 97% de empenho e 86% de execução.

Em julho, foi anunciado o Future-se, que prevê fortalecer o financiame­nto privado nas federais e as parcerias com organizaçõ­es sociais. Mas o texto ainda não foi enviado ao Congresso nem tem prazo para sê-lo, segundo o MEC, que afirma que o tema está em análise técnica.

A permanênci­a no cargo de Weintraub, que está de férias, tem sido questionad­a por aliados. Bolsonaro, entretanto, diz que não pretende demiti-lo.

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Mateus Bonomi-10.out.19/Agif/Folhapress Abraham Weintraub, que assumiu o MEC em abril com a promessa de melhorar a gestão do MEC
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