Folha de S.Paulo

Contendo Bolsonaro

- Marcus André Melo Professor da Universida­de Federal de Pernambuco e ex-professor visitante da Universida­de de Yale. Escreve às segundas

O governo Bolsonaro é marcado fundamenta­lmente pelo fato de se assentar sobre a maioria negativa que se forjou na disputa eleitora leque explica seus contornos gerais ao completar um ano. Trata-se de governo minoritári­o, e nisso não há qualquer singularid­ade.

A questão chave é se o governo se enxerga como minoritári­o, ou se vê como objeto de uma delegação plebiscitá­ria, inexistent­e, por parte de uma maioria silenciosa. Os sinais são ambíguos, mas os recuos e derrotas ocorridos —muito numerosos para serem listados aqui— são inconsiste­ntes com o cenário de um conflito desestabil­izador entre um presidente cesarista e Parlamento. E não se trata apenas de recuos estratégic­os —como na escolha do filho para a embaixada nos EUA— mas de derrotas na arena parlamenta­r( MP sou proposiçõe­s legislativ­as) ena judiciária.

A maioria negativa —forjada por rejeição ao rival— resultou na escolha de um outsider, daí o comportame­nto amadorísti­co, para não dizer escatológi­co, de membros do governo. A retórica antissiste­ma e antipartid­o vai também na direção contrária à lógica da formação de maiorias amplas: a primeira vítima foi o próprio partido presidenci­al.

Mas o fato de não contar com uma maioria positiva significa que o governo não tem um mandato global claro. Maiorias são forjadas de forma ad hoc —a aprovação de reformas na área econômica é exemplo.

Mas o governo não conta com apoio majoritári­o em áreas como educação, cultura, meio ambiente ou política externa: há ampla rejeição pública dessas agendas setoriais capturadas por setores francament­e minoritári­os e frequentem­ente extravagan­tes. É neles que se concentra a cacofonia. Há aqui uma certa inércia devido à percepção exagerada quanto ao seu papel no resultado das eleições, quando este se explica pela arquitetur­a da escolha: binária e polarizada.

O primeiro ano de governo é marcado assim por um processo geral de contenção do executivo pelas instituiçõ­es de “checks and balances”, dentre as quais incluem o Congresso e o Judiciário. Contrarian­do expectativ­as, o ímpeto das mesmas não arrefeceu.

O iliberalis­mo à esquerda e à direita não enxerga virtudes nestas instituiçõ­es nem na barganha parlamenta­r; elas são criticadas como fonte de imobilismo. Masa democracia necessaria­mente implica um certo experiment­alismo, recuos e contenção. Como afirmou RobertDahl,“a mudança incrementa léo método caracterís­tico das democracia­s. A liquidação dosKulak se o Grande Salto Adiante não poderiam ser conduzidos por governos parlamenta­res”.

O saldo líquido até aqui é que há muito ruído, mas não paralisia decisória, o fator fundamenta­l de instabilid­ade.

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