Capturados no ar
rio de janeiro Um compositor americano, Irving Burgie, morreu outro dia em Nova York, aos 95 anos, sob compreensível silêncio. Burgie não era famoso. Mas uma canção já antiga e de autoria incerta, formada por apenas duas frases musicais, a que ele aplicou letra em 1956, tornou-o um homem rico. A música era “Day-O”, mais conhecida por “The Banana Boat Song”, e consagrou um cantor: Harry Belafonte. Por causa deles, todo mundo na época pensou estar descobrindo um novo gênero musical: o calipso.
Novo? O calipso já vinha do século 19, e “Banana Boat”, sem esse título, do começo do século 20. Era uma canção de trabalho dos carregadores de banana nos portos jamaicanos, e sua letra, uma obra coletiva e anônima, a que se iam empilhando estrofes. Mas seu tema, desde sempre, já era o dos homens saudando o raiar do dia e esperando que o capataz americano viesse contar a carga que eles tinham passado a noite embarcando, para que pudessem ir para casa.
Burgie, nova-iorquino e filho de uma jamaicana, ajeitou a letra para que, no disco, Belafonte dialogasse com um coro masculino, tendo um implacável tambor como acompanhamento. O resultado final era hipnótico. Os calipsos eram quase sempre de protesto —o que não os livrou de, por décadas, serem capturados no ar por americanos espertos e registrados nos EUA como de autoria de seus adaptadores.
Outros dois calipsos mundialmente consagrados foram “Rum and Coca-Cola”, do venezuelano Lionel Belasco e do trinidadiano Rupert Grant, e “Matilda”, do também trinidadiano Norman Span. Outros os assinaram e eles não ganharam nada. “Rum and Coca-Cola” estourou com as Andrews Sisters em 1945 e “Matilda”, com o mesmo Belafonte, em 1956.
Pouco antes de morrer, Burgie admitiu que “Banana Boat” lhe rendera, nos últimos 60 anos, US$ 50 milhões. Nada mal para um investimento equivalente a uma gota de tinta.