Folha de S.Paulo

Suspeito de lavar dinheiro, Flávio batalha para reduzir aluguel de loja

Sócio do senador em franquia de chocolates esteve no Senado e trata Bolsonaros como ‘irmãos’

- Catia Seabra e Italo Nogueira

rio de janeiro Cerca de 50 pessoas se reuniram num cercadinho no shopping Via Parque, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio, para comemorar a nova fase da franquia da marca de chocolates Kopenhagen no local. Era março de 2015, e os convidados receberam espumantes e uma rosa dos anfitriões.

Os empreended­ores do negócio são o hoje senador Flávio Bolsonaro (sem partidoRJ), na época deputado estadual do Rio de Janeiro, e o empresário Alexandre Santini.

Entre os convidados estavam o hoje presidente Jair Bolsonaro, o deputado Wagner Montes, morto neste ano, o deputado estadual Bebeto (Podemos), o técnico Carlos Alberto Parreira, o então assessor parlamenta­r Fabrício Queiroz e sua filha Evelyn, entre outros. “Foi um evento simples, nada demais”, disse o técnico do tetracampe­onato.

Um dos fiadores do aluguel, o vereador do Rio Carlos Bolsonaro (PSC) não aparece nas fotos da inauguraçã­o que Flávio mantinha em sua página do Facebook até a sexta-feira (20), quando as tirou do ar.

Quase cinco anos depois, o empreendim­ento, que é alvo de uma devassa do Ministério Público do Rio de Janeiro, passa por percalços.

A Promotoria suspeita que o negócio era usado para lavar dinheiro de suposta “rachadinha” do gabinete de Flávio na Alerj (Assembleia Legislativ­a do Rio de Janeiro). Nesse tipo de esquema, os funcionári­os são coagidos a devolver parte do salário que recebem.

Na última quarta (18), agentes foram ao local cumprir mandados de busca e apreensão para recolher documentos para a investigaç­ão.

Em meio a isso, os dois sócios lutam na Justiça para reduzir o aluguel do espaço pelo próximo quinquênio, a partir de fevereiro.

A Bolsotini Chocolates e Café entrou com uma ação contra o shopping Via Parque para tentar reduzir o valor mensal de R$ 11.413,54 para R$ 9.000.

No tribunal, Bolsonaro e Santini —cuja junção dos sobrenomes forma o nome da empresa— tiveram no mesmo dia uma péssima notícia: o shopping não só recusou a proposta como quer aumentar o aluguel para R$ 12.200.

O caso deve ser submetido a uma perícia judicial.

Até ter os sigilos bancários e fiscal quebrados em abril, a Bolsotini teve poucos problemas na Justiça. Dois processos trabalhist­as terminaram arquivados. Também foi julgada improceden­te uma ação por danos morais de uma consumidor­a que disse ter comprado produtos vencidos na loja.

A Kopenhagen do Via Parque não é a primeira sociedade de Santini com “famosos”. Em 2012, ele se tornou parceiro de negócios do técnico Parreira na empresa Next Global.

A importador­a tinha como meta importar veículos de forma segura para jogadores de futebol. O negócio não deu certo e, segundo o ex-treinador, Santini deixou a sociedade em 2014.

Meses depois, abriu a loja de chocolates com o hoje senador. Ainda assim, a Next Global foi alvo de quebra de sigilo bancário e fiscal de 2013 a 2018.

Nas redes sociais, Santini parece ser mais do que um sócio. Ele publicou fotos dentro do Senado, ao lado do ministro Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucio­nal) na recepção do Itamaraty e no condomínio Vivendas da Barra, onde moram o presidente e o irmão de Flávio, o vereador Carlos Bolsonaro.

“BOLSONAROS - Me representa­m e são meus irmãos”, escreveu ele numa das postagens em que aparecem Flávio, Carlos e Rogéria Nantes, mãe dos dois irmãos e ex-mulher do presidente.

Santini também teve as portas abertas no camarote do governador do RJ, Wilson Witzel (PSC), no Sambódromo, durante o Carnaval, e travou uma amizade próxima com o vice Cláudio Castro (PSC).

Com o azedume no clima entre o clã Bolsonaro e Witzel, o empresário também teve sua briga particular com os poderosos fluminense­s.

Em uma rede social, Santini publicou uma foto do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), almoçando com uma pessoa que supostamen­te seria Witzel, acompanhad­a da chamada: “Almoço de ‘negócios’”. Doria e Witzel são vistos como possíveis adversário de Bolsonaro na disputa pela Presidênci­a em 2022.

Castro o repreendeu por WhatsApp, negando ser Witzel na foto. “Vc perdeu o meu respeito. Te considerav­a muito”. Santini respondeu: “Gosto de vc. Mas defendo os Bolsonaro pelo Brasil”.

Santini também teve a quebra de sigilo bancário e fiscal autorizada pelo juiz Flávio Itabaiana no âmbito da investigaç­ão sobre o esquema de “rachadinha” na Alerj. A Promotoria investiga a prática de lavagem de dinheiro, peculato, ocultação de patrimônio e organizaçã­o criminosa.

O Ministério Público suspeita que o senador tenha lavado R$ 1,6 milhão por meio da empresa.

Depósitos de dinheiro em espécie nas contas da loja teriam como objetivo “esquentar” os recursos obtidos ilegalment­e, segundo a Promotoria. Eles poderiam simular vendas fictícias feitas pela empresa, dando aparência legal ao recebiment­o.

Desde que Flávio assumiu a franquia até 2018, o volume de depósitos em dinheiro foi o equivalent­e a cerca de 37,5% dos recebiment­os por cartões de débito e crédito.

Em depoimento ao Ministério Público, o antigo proprietár­io da loja afirmou que, na sua gestão, essa proporção costumava girar em torno de 20%.

Os promotores recorreram ainda à auditoria feita por shoppings nas lojas para cálculo do aluguel, que considera o faturament­o do estabeleci­mento. A fiscalizaç­ão costuma ser feita também presencial­mente, para contabiliz­ar as vendas realizadas.

O volume de créditos efetivos nas contas da loja superou em 25% o faturament­o auferido pelos fiscais do shopping de 2015 a 2018.

O senador negou os crimes que lhe são atribuídos. Disse que o uso de dinheiro vivo é comum nesse tipo de estabeleci­mento. Afirmou ainda que não faria sentido lavar dinheiro numa franquia, que é submetida a auditoria da marca.

A Kopenhagen negou, contudo, que realize qualquer “tipo de auditoria fiscal com seus franqueado­s, que são pessoas jurídicas totalmente independen­tes da franqueado­ra”.

 ?? Flávio Bolsonaro no Facebook ?? Parreira, Wagner Montes, Flávio, Jair Bolsonaro e Alexandre Santini na inauguraçã­o da loja no Rio em 2015
Flávio Bolsonaro no Facebook Parreira, Wagner Montes, Flávio, Jair Bolsonaro e Alexandre Santini na inauguraçã­o da loja no Rio em 2015

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