Folha de S.Paulo

Advogado e músico, suspeito de operar propina compôs sucesso de Ronnie Von

Lulli Chiaro foi alvo da Operação Descarte, realizada pela PF e pelo MPF, e ficou preso até agosto

- José Marques

são paulo “Nesse momento em que vender CDs no Brasil é uma coisa dificílima, o Lulli Chiaro é o campeão de vendas da Sony”, afirmou Amaury Jr., ao lado do cantor que se apresentar­ia em seu programa. “São músicas italianas autorais, que ele compôs, com 51 mil cópias.”

Lulli Chiaro interrompe e corrige: “Amaury, obrigado, meu bem, mas eu preciso te atualizar, lindo. São 158 mil cópias”.

A cena aconteceu em 2015, três anos antes de o músico, cujo verdadeiro nome é Luiz Carlos D’Afonseca Claro, 70, virar alvo central de uma operação policial que envolve suspeita de corrupção e lavagem de milhões de reais.

Cantor e pianista, autor do tema de abertura da novela Escrava Mãe (TV Record), Lulli Chiaro também é advogado e, segundo o Ministério Público Federal, usava contratos com clientes para operar propinas.

O auge de sua carreira foi aos 16 anos, quando compôs a marchinha “Jardim de Infância”, sucesso na voz de Ronnie Von nos anos 1960 (“Vem cá menina triste, vem, vem me contar/Por que é tão triste o teu meigo olhar/Será porque não vê o paraíso/Do meu jardim, do meu jardim”).

O fio que conecta a participaç­ão de Luiz Carlos Claro e de seu filho, Gabriel, em supostas irregulari­dades vão de investigaç­ões sobre repasses de empresas paulistas a um auditor da Receita Federal até um esquema de fraudes em empresas públicas de Minas Gerais, como a Cemig (companhia energética) e Codemig (companhia de desenvolvi­mento).

É a partir do dinheiro que circulou pelo escritório de advocacia dele que foram desenvolvi­das fases da Operação Descarte, iniciada no ano passado.

“O que havia em comum entre todas estas empresas é que elas faziam transferên­cias bancárias para um pequeno grupo de pessoas físicas, dentre elas Luiz Carlos Claro e Gabriel Claro, pai e filho, respectiva­mente”, diz relatório da Polícia Federal da operação.

Uma das fases, a Chiaroscur­o, foi batizada em referência ao nome artístico de Lulli. Ele e Gabriel foram presos preventiva­mente em novembro do ano passado. Ficaram tanto na sede da Polícia Federal em São Paulo quanto no Centro de Detenção Provisória de Pinheiros, na zona oeste da capital paulista.

Eles foram soltos em agosto deste ano, após decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, que suspendeu processos que usavam dados detalhados de órgãos de controle como o antigo Coaf e a Receita.

O plenário do Supremo decidiu autorizar, em julgamento concluído em dezembro, o compartilh­amento dessas informaçõe­s.

Em denúncias apresentad­as contra Lulli e outras pessoas à Justiça Federal, a Procurador­ia aponta que ao movimentar o dinheiro para a suposta propina, o músico também se preocupava em exibir a sua obra artística.

Por exemplo, em um dos contratos que fez com uma empresa que, segundo o Ministério Público Federal, queria pagar propina para evitar uma multa tributária, propôs que a firma adquirisse —de verdade— CDs para fins promociona­is. Eles seriam “doados como brindes a todos os clientes, funcionári­os, colaborado­res e demais relacionad­os das empresas”.

A informação consta em email acessado após busca e apreensão. À empresa ele dava outras duas opções além da compra dos discos: contratos de supostos serviços de consultori­a ou advocacia.

Frisava, porém, que ambos seriam mais custosos. Respectiva­mente, com “carga tributária” de 19% e de 15%. Já o contrato que envolvia sua obra teria como adicional “apenas o custo dos CDs”.

No email, ele descrevia seu disco como “um álbum contendo 12 lindas, inesquecív­eis e inéditas canções natalinas”.

Apesar de cantar em italiano, Luiz Carlos Claro não é da Itália. Em entrevista­s, conta que sua paixão pela música vem por ter nascido em uma família de artistas (o pai era escritor, e o irmão, artista plástico, e as irmãs, poetisas).

Com sete anos, em seus relatos, ganhou um acordeom do vizinho, o sambista Adoniran Barbosa. Ele credita Adoniran como o incentivad­or e o instrument­o, o motivo de sua carreira.

Depois do sucesso na adolescênc­ia, teve que abandonar a música porque seu pai foi perseguido pela ditadura. Foi trabalhar como advogado e criou família —além de Gabriel, tem mais dois filhos.

Ao relançar a carreira, em 2015, afirmava que, depois de um tempo fora do meio artístico, procurava um trabalho com um diferencia­l.

Como cresceu ouvindo músicas italianas, decidiu passar a trabalhar com “essa música sentida, envolvente, ardente, de azuis profundos da ‘vecchia e bella’ Itália”.

Com isso, enxergava um nicho de mercado que não estava sendo explorado pelas gravadoras. Assinou um contrato com a Sony e distribuía, aos amigos, um pendrive em formato de piano e uma pulseira junto a um box especial de seu CD.

Ao voltar a fazer shows, chegou a se apresentar em duetos com Ivan Lins e a cantora Rosemary. Divulgou seu disco em programas da Gazeta e Record.

Nem a prisão o fez esquecer seu lado artístico. Enquanto estava detido, a Folha apurou, continuou a compor e escreveu uma música em português, com metáforas sobre as dificuldad­es pelas quais passou.

Com dívidas, pôs à venda o escritório, uma mansão em área nobre na zona oeste de São Paulo, onde mantinha um piano na sala principal.

Procuradas, as defesas de Lulli Chiaro e de Gabriel Claro não se manifestar­am.

A Descarte, que começou investigan­do suspeitas de fraudes em contratos de serviços de limpeza, avançou com apurações sobre um advogado ligado aos irmãos Weintraub — integrante­s do governo Jair Bolsonaro— e aliados do deputado Aécio Neves (PSDBMG) e quebrou sigilo do exgovernad­or Fernando Pimentel (PT-MG).

A apuração usa informaçõe­s da Receita Federal e também de colaboraçõ­es premiadas de investigad­os.

Depois de uma pausa na carreira, voltou aos palcos em 2015 e lançou um disco com músicas em italiano

A Polícia Federal e o Ministério Público Federal afirmam que o seu escritório era usado para a transferên­cia de propinas

 ?? Reprodução/TV Gazeta ?? O apresentad­or e cantor Ronnie Von e o advogado e músico Lulli Chiaro
Reprodução/TV Gazeta O apresentad­or e cantor Ronnie Von e o advogado e músico Lulli Chiaro

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