Folha de S.Paulo

Réveillon sem fogos prenuncia 2020 sombrio para Hong Kong

Próxima batalha será em setembro, com a eleição para Conselho Legislativ­o

- Igor Gielow

SÃO PAULO Quando o relógio bater meia-noite no próximo dia 31 de dezembro, os céus de Hong Kong não estarão coalhados de fogos de artifício pela primeira vez em dez anos.

“Segurança pública”, alegou como motivo do cancelamen­to da festa o Escritório de Turismo da região chinesa.

Segurança, de fato, mas pelo temor das autoridade­s de que o evento disparasse algum grande protesto na cidade-Estado reabsorvid­a por Pequim em 1997, após 155 anos de domínio britânico.

Grupos de jovens ativistas que organizam protestos prometem se mobilizar, segundo mensagens em grupos na internet. Eles não querem deixar arrefecer o ímpeto dos atos que chacoalham Hong Kong há seis meses.

A escuridão relativa nos céus no Réveillon prenuncia mais um ano sombrio na região. O território com 7,4 milhões de habitantes é o maior desafio do colosso comunista continenta­l que a controla.

Os maiores atos desde a volta da gestão chinesa à cidade foram disparados por uma tentativa de aprovação de lei, pelo Executivo local, facilitand­o a extradição de cidadãos honcongues­es para o sistema judicial da ditadura continenta­l.

Pequim mantém Hong Kong como uma ilha capitalist­a e liberal, parte do arranjo de sua devolução, no chamado “um país, dois sistemas” que poderá ser revisto legalmente a partir de 2047.

Só que a proposta de lei de extradição, assim como uma iniciativa semelhante em 2003, foi vista como uma forma de começar a burlar a liberdade local. Naquele ano, multidões obrigaram a mudança legal, mas o governo conseguiu dividir a oposição, que acabou se desorganiz­ando.

Neste ano, milhões foram às ruas, e os protestos deixaram cerca de 6.000 presos e ao menos duas pessoas foram mortas de maneira indireta.

A lei foi jogada fora, mas, diferentem­ente de 2003 e de outros episódios em 2009 e 2014, os manifestan­tes permanecem com sua agenda, que inclui o ponto mais nevrálgico para Pequim: eleições universais em todos os níveis.

O Partido Comunista já disse que isso não acontecerá, e na semana passada o seu líder, Xi Jinping, reafirmou o apoio a Carrie Lam, a controvers­a executiva-chefe de Hong Kong.

Na eleição para usualmente inofensivo­s conselhos locais, no fim de novembro, a oposição abocanhou uma vitória esmagadora em 17 de 18 deles.

A próxima batalha, que deverá manter acesos os protestos, está marcada para setembro. Será a eleição para o Conselho Legislativ­o, que tem poderes relativos para moderar o Executivo. Hoje, 35 de seus 70 membros são eleitos diretament­e, e é esperado que a oposição tenha uma porcentage­m de votos semelhante à da votação local —60% ante 40% dos pró-Pequim.

A questão é que os assentos restantes são eleitos por entidades que representa­m setores profission­ais, uma herança britânica que serve aos comunistas para manter um controle tácito do voto.

Para o deputado Eddie Chu, um dos mais vocais oposicioni­stas no Conselho, haverá pressão para que isso mude legalmente antes do pleito de setembro. “Por isso seguiremos nas ruas”, diz.

Já a eleição para o Conselho Executivo, que só ocorre em 2022, é bem mais difícil de manejar. São 1.200 delegados que votam, numa composição complexa que favorece uma sutil pressão chinesa. “A mudança tem de vir, nem que seja aos poucos ”, dizPakFu-yi, ativista baseado emKow lo on, porção continenta­l do território.

A confusão dos protestos já projetou um PIB negativo de 1,3% neste ano para Hong Kong, e o turismo despencou —em novembro, foi um tombo de 56% no número de turistas, em comparação com o mesmo mês do ano passado.

Após a vitória da oposição no pleito para os conselhos locais, os atos voltaram ase concentrar nos fins de semana, mas adinâmica tende a acompanhar os movimentos até aqui inflexívei­s de Lam e de Pequim.

Para Xi, op roble maéenorme.F azer concessões­à oposição pode levar amovimento­s semelhante­s em outras regiões, já que o país é uma colcha de retalhos demográfic­a dominada pela etnia Han (90%).

Por outro lado, a China precisa de Hong Kong e sua altamente desregulad­a economia para fazer operações externas com facilidade. Cerca de 65% de todo fluxo de investimen­tos externos que entra e sai da segunda maior economia do mundo passa por ali, uma realidade que não mudado dia para anoite.

Com tudo isso, o impasse de solução imprevisív­el tenderá a permanecer como uma das grandes manchetes de 2020.

 ?? Anthony Wallace - 28.nov.19/AFP ?? Manifestan­tes levantam as luzes de seus celulares em protesto na região central de Hong Kong
Anthony Wallace - 28.nov.19/AFP Manifestan­tes levantam as luzes de seus celulares em protesto na região central de Hong Kong

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