Folha de S.Paulo

Odebrecht abre investigaç­ão interna contra Marcelo e outros executivos

Grupo apura se ele declarou todos os valores recebidos em acordo; empresário nega irregulari­dades

- Bruna Narcizo e Ivan Martínez-Vargas

são paulo A Odebrecht contratou o escritório de advocacia Veirano para realizar uma investigaç­ão sobre supostas irregulari­dades cometidas por Marcelo Odebrecht e outros executivos na companhia.

Marcelo estava afastado da rotina do grupo desde 2015, quando foi preso no âmbito de investigaç­ões da Operação Lava Jato, e foi demitido por justa causa na última sexta-feira (20).

Reportagem do jornal O Estado de S.Paulo, publicada neste sábado (21), afirma que a investigaç­ão foi aberta nos últimos dias em meio ao ambiente de troca de acusações revelado pela Folha no dia 19 de dezembro.

A assessoria de imprensa da Odebrecht confirma a existência da investigaç­ão, mas diz que o procedimen­to foi aberto há cerca de um mês por iniciativa do comitê de ética do grupo, ligado ao conselho de administra­ção. Segundo a Odebrecht, a inspeção deverá durar ao menos mais dois meses.

O documento que teria originado a investigaç­ão é o acordo assinado por Marcelo com a Odebrecht, em 2016, em que o executivo concordou em receber R$ 216 milhões do conglomera­do. A assinatura se deu semanas antes de Marcelo assinar acordo de leniência com o MPF (Ministério Público Federal).

Do montante total pago a Marcelo, R$ 70 milhões foram depositado­s em um título de previdênci­a privada em nome de sua esposa e de suas três filhas. A Odebrecht investiga se Marcelo declarou os bens às autoridade­s. Caso tenha ocultado patrimônio, o ex-executivo poderia ter violado a delação.

A reportagem teve acesso a uma mensagem enviada no último sábado por Marcelo Odebrecht a diretores do grupo.

Na mensagem, Marcelo diz que fez uma consulta à Receita Federal sobre os termos do acordo que firmou com a Ode- brecht, que informou o fato às áreas financeira­s da empresa e que recolheu impostos sobre os valores recebidos.

A Receita respondeu ao empresário por meio do documento conhecido como solução de consulta, datado de 26 de dezembro de 2018. Nele o fisco diz que os valores recebidos são caracteriz­ados como acréscimo patrimonia­l e sujeito a incidência de Imposto de Renda.

O empresário informa que declarou todos os valores, inclusive o plano de previdênci­a.

No texto enviado à Odebrecht, o empresário acusa Ruy Sampaio, atual presidente do grupo, de violar a cláusula de confidenci­alidade de seu acordo com a companhia.

Afirma, também, que Sampaio move uma campanha de retaliação após Marcelo ter enviado à PGR (Procurador­ia-Geral da República) documentos sobre supostos atos de obstrução de Justiça praticados pela Odebrecht.

Procurado pela reportagem, Marcelo afirmou, por meio de nota, que “não pode comentar termos de acordo mantido em segredo de Justiça”.

Diz, contudo, que pode afirmar que “os acordos foram aprovados pela alta administra­ção e pelo conselho de administra­ção e não contêm qualquer irregulari­dade”.

O empresário diz que “é contrário a qualquer clima hostil com a empresa e seus representa­ntes, mas continuará a cumprir o seu acordo e não se furtará em observar todas as suas obrigações de colaborado­r da Justiça e de acionista do grupo.”

Marcelo foi demitido após reportagem da Folha revelar que ele enviou emails a familiares e diretores do conglomera­do em que fez denúncias sobre pessoas-chave do grupo.

As mensagens detalhavam minuta com 64 páginas que ele mandou a diretores da empresa, inclusive à área de compliance (responsáve­l por boas práticas corporativ­as).

Nas mensagens, ele critica, por exemplo, o executivo Mauricio Ferro, que chegou a ser preso por suspeita de corrupção. Marcelo escreve que “o maior prejuízo nem foram os R$ 200 milhões roubados, mas tudo o que ele fez, destruindo a Odebrecht e as relações familiares, para ocultar este roubo”. O suposto desvio ainda está sob investigaç­ão.

O ex-executivo questiona também uma operação feita por Emílio Odebrecht. Segundo ele, o pai teria esvaziado a Kieppe, holding familiar controlado­ra da Odebrecht, ao adquirir para si fazendas avaliadas em R$ 600 milhões e ter feito o pagamento com ações da Kieppe e não com seus próprios recursos.

Emilio, de acordo com Marcelo, ainda teria utilizado o seu poder no comando para nomear executivos que tinham “conflito de interesse”.

Na avaliação dele, os escolhidos não focavam na gestão dos negócios e, muitas vezes, tomavam decisões em benefício próprio e em prejuízo à Odebrecht.

Marcelo questiona em particular a escolha de Sampaio para assumir o conselho de administra­ção do grupo e, mais recentemen­te, o cargo de diretor-presidente, argumentan­do que o executivo atua em favor dos interesses de Emílio e de seus próprios, inclusive para evitar investigaç­ões que poderiam incriminá-lo.

Em um dos emails, Marcelo relata para um grupo de diretores, incluindo Olga Pontes, que “existem evidências fortes, inclusive registros no My Web Day e Drousys [sistemas usados pela empresa para gerir o pagamentos de propinas], de que RLS [sigla para Ruy Lemos Sampaio], o representa­nte escolhido pelo mandatário [Emílio Odebrecht], recebeu ou intermedio­u pagamentos indevidos. Isto entre outros fatos, como de obstrução à Justiça, que precisam ser urgentemen­te apurados”.

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