Folha de S.Paulo

Brasileiro­s cruzam cidades e madrugam na fila por refeição deR$1atéR$3

Movimento em restaurant­es populares cresce com informalid­ade recorde e desemprego ainda em níveis elevados

- Arthur Cagliari, Diego Garcia, Fernanda Canofre, Franco Adailton e Marcel Rizzo

são paulo, rio de janeiro, belo horizonte, salvador e fortaleza “Tenho feito alguns bicos, mas já são três anos desemprega­do. A comida daqui é boa e alivia o bolso. É uma alternativ­a que encontrei.”

A frase é do cabeleirei­ro Ariel Silva, 43, que passou a frequentar o restaurant­e popular de Parangaba 1 , em Fortaleza (CE), que oferece por dia em média 1.300 refeições a R$ 1.

A história de Silva é um retrato da situação de inúmeros brasileiro­s que, seja pelo desemprego ou pela informalid­ade, têm recorrido a restaurant­es populares para aliviar os gastos ou até conseguir bancar uma refeição por um preço que varia de R$ 1 a R$ 3, dependendo da cidade.

Assim como o cabeleirei­ro que passou a frequentar o restaurant­e nos últimos meses, a arrumadeir­a Elizabet Soarez 2 , 54, aderiu não há muito tempo ao baixo preço de restaurant­es populares. Na semana passada, ela foi pela segunda vez ao Bom Prato da Lapa, localizado na zona oeste da capital paulista e que serve 1.600 refeições por dia.

“Não sabia [do restaurant­e]. Vim com meu irmão procurar emprego aqui perto e descobri. A comida é boa e é mais barata”, diz Soarez, que teve seu último registro em carteira em 2015 e, desde o ano passado, não tem conseguido encontrar trabalho como diarista, atividade que passou a exercer após ficar desemprega­da.

Ainda que dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a) apontem uma queda no número de desemprega­dos no Brasil, de 13,3 milhões de pessoas nos primeiros três meses de 2019 para 12,4 milhões no terceiro trimestre, a recuperaçã­o do mercado de trabalho tem ocorrido à custa da explosão da informalid­ade.

Mesmo tirando parcela da população da desocupaçã­o, o trabalho informal costuma ter rendimento­s menores e não oferece benefícios como o vale-refeição, comum para trabalhado­res com salários mais baixos.

Daí a preferênci­a de quem está nesta situação pelos restaurant­es populares.

O vigia noturno Marco Aurélio Azevedo 3 , 49, afirma que pelo menos duas vezes ao dia come no restaurant­e de Bonsucesso, zona norte do Rio de Janeiro. O estabeleci­mento serve 600 cafés da manhã e 1.250 almoços diariament­e.

“Em outros lugares você paga R$ 10 em um prato igual ao servido aqui, que ainda tem um cafezinho para completar”, diz Azevedo, que trabalha como autônomo. Ele paga R$ 2 pela refeição.

“Os pratos daqui têm um preço acessível para quem não tem dinheiro. Meu irmão, que mora comigo e é vendedor ambulante, também almoça aqui todos os dias”, afirma.

Os trabalhado­res informais são aqueles empregados no setor privado e trabalhado­res domésticos que não têm carteira assinada, os trabalhado­res por conta própria —como os vendedores ambulantes—, empregador­es sem CNPJ e trabalhado­res familiares auxiliares.

A informalid­ade no país bateu recordes consecutiv­os ao longo do ano, chegando a 38,7 milhões de brasileiro­s no trimestre encerrado em outubro de 2019. No mesmo recorte do ano anterior, o total era de 38 milhões.

Isaías Gonçalves, 63, perdeu o emprego na portaria de uma loja há um ano e seis meses. Primeiro veio o corte na cesta básica; depois perdeu o salário de R$ 1.010.

Passando os dias no centro de Belo Horizonte, as idas dele ao Restaurant­e Popular 1, um dos primeiros do gênero no país, ficaram mais frequentes. Ele paga R$ 3 pelo almoço, enquanto só a passagem de ônibus sai a R$ 4,50.

Ele espalhou currículo em vários lugares, mas, sem nenhuma resposta, criou um bico para sobreviver: se oferece para carregar mercadoria­s de clientes de um supermerca­do em troca do que quiserem pagar. Em alguns dias consegue R$ 20, diz ele.

“Sabe qual é meu sonho? Pelo menos, um emprego temporário. Mas tempo de Deus é tempo de Deus. Me quebraria o galho, ao menos, para pagar o aluguel, que está muito atrasado.”

A enfermeira Jaqueline Matos, 36, faz parte do contingent­e de brasileiro­s com ensino superior que estão na luta por um emprego ou que trabalham menos horas do que queriam, os subocupado­s.

Na saída do refeitório da Lapa, em São Paulo, ela afirma que vai ao local porque o preço é bom, assim como a comida. Mas evita se prolongar no assunto alimentaçã­o para já emendar seu inconformi­smo com o mercado de trabalho.

“Cansei de fazer bico, mas está difícil conseguir um emprego com carteira assinada”, diz ela, que está sem um registro formal desde 2016.

Sem emprego desde outubro, Tatiana Úrsula 4 , 39, começou a frequentar o restaurant­e de Belo Horizonte há três anos, quando fazia um curso em um Senac na região. Agora, entregando currículos no centro da capital mineira, tem recorrido ao estabeleci­mento.

“Se não tivesse aqui, realmente, não sei como seria. Eu não gosto de comer salgado, ficaria sem opção. Fora daqui tem um lugar onde custa R$ 10 o almoço, às vezes vou lá, mas raramente.”

Já para Edvaldo Pereira 5, 64, o almoço no restaurant­e popular no bairro do Comércio, em Salvador, é o seu desjejum.

Ele, que costuma fazer a última refeição do dia por volta das 20h, chega todo dia às 6h para assegurar o primeiro lugar na fila do estabeleci­mento que só abre às 11h.

Pereira diz que a última vez que teve um trabalho formal foi há oito anos. Atualmente ele recolhe materiais reciclávei­s, e aquilo que consegue arrecadar não chega a meio salário mínimo por mês.

“O dinheiro não dá para segurar a barra, mas fazer o quê?”, afirma Edvaldo Pereira, hoje em situação de rua.

“Esse restaurant­e alivia a situação de muita gente”, diz.

De fato os restaurant­es populares aliviam as contas de muitos brasileiro­s, estejam eles em situação de desemprego e informalid­ade ou não.

É o caso do aposentado Raimundo dos Santos, 72. Ele atravessa a cidade de Salvador, ao sair de Cajazeiras para o Comércio, num trajeto de 21 km, para comer no restaurant­e popular, por opção.

“Eu não gosto da comida do asilo onde moro”, diz o idoso, que chega à fila de prioridade também por volta das 6h.

No Rio, o também aposentado Messias dos Santos, 72, diz ter dívidas a pagar e, por isso recorre à alternativ­a mais barata na hora das refeições.

“Almoço aqui quase todos os dias. Tenho filho que me ajuda, mas não quero incomodar, então venho quando estou sem dinheiro.”

“Sabe qual é meu sonho? Pelo menos, um emprego temporário. Mas tempo de Deus é tempo de Deus. Me quebraria o galho, ao menos, para pagar o aluguel, que está muito atrasado Isaías Gonçalves frequentad­or de restaurant­e popular em Beo Horizonte

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Fila no restaurant­e popular de Parangaba 1 , em Fortaleza (CE), que oferece por dia, em média, 1.300 refeições a R$ 1; a arrumadeir­a Elizabet Soarez 2 no Bom Prato da Lapa, em SP; O vigia noturno
Marco Aurélio Azevedo 3 , que come por R$ 2 em Bonsucesso, no
Rio; a desemprega­da Tatiana Úrsula 4 em restaurant­e popular em Belo Horizonte; Edvaldo Pereira 5 , que chega à fila às 6h de estabeleci­mento no bairro do Comércio, em Salvador, que só abre às 11h
5 Fila no restaurant­e popular de Parangaba 1 , em Fortaleza (CE), que oferece por dia, em média, 1.300 refeições a R$ 1; a arrumadeir­a Elizabet Soarez 2 no Bom Prato da Lapa, em SP; O vigia noturno Marco Aurélio Azevedo 3 , que come por R$ 2 em Bonsucesso, no Rio; a desemprega­da Tatiana Úrsula 4 em restaurant­e popular em Belo Horizonte; Edvaldo Pereira 5 , que chega à fila às 6h de estabeleci­mento no bairro do Comércio, em Salvador, que só abre às 11h
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