Folha de S.Paulo

As culpas de Gabigol e Jesus

Há quem tenha pegado os dois para Cristo; será que é mesmo justo?

- Juca Kfouri Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP

Como a mania brasileira é a de sempre achar culpados para derrotas, os çábios acharam dois para malhar na esplêndida vitória do Liverpool sobre o Flamengo.

O técnico português Jorge Jesus, que teria errado nas substituiç­ões de Everton Ribeiro e De Arrascaeta por Diego e Vitinho, foi um dos eleitos.

Gabriel Barbosa, o Gabigol, lhe faz companhia.

Porque a vida é dura. É verdade que as trocas não deram o resultado esperado, ponto.

Só que quando feitas parecia claro que o time estava já sem poder de fogo e alguma coisa haveria de ser feita.

Jesus fez. Se não faz estaria sendo chamado de omisso, acomodado, conformado, etc. etc. e tal.

Ora, Diego tinha entrado em dois jogos para mudá-los e ajudar o Flamengo a virar contra River Plate e Al-Hilal. Vitinho era sangue novo pelo lado.

Jesus viu certo, mexeu como deveria e deu errado.

Acontece nas melhores famílias.

Já com Gabigol são outros 500.

Apanhou, com razão dos que bateram, quando abusou do individual­ismo na semifinal, parecendo estar mais preocupado em jogar para se mostrar ao mercado europeu do que em ser útil ao time e atuar coletivame­nte.

Contra o Liverpool fez exatamente o inverso.

Matou-se em campo, atrás e na frente, caiu com câimbras e, quando deveria ter sido egoísta e cabeceado para o gol buscou equivocada­mente um companheir­o mais bem colocado.

Exagerou, enfim, no companheir­ismo.

Tudo sempre tem dois lados, tudo sempre é relativo, tudo sempre comporta visões diferentes, muitas vezes opostas.

Se o Mundial de Clubes era, na cabeça dele, uma vitrine, provavelme­nte fechou mais que abriu janelas na Europa, uma boa notícia para a Nação, sem bancar aqui a Poliana.

Artilheiro dos dois últimos Campeonato­s Brasileiro­s pelo Santos e pelo Flamengo, Gabriel tem enorme futuro e talvez tudo conspire a seu favor caso permaneça pelo menos por nova temporada na Gávea.

Controvérs­ias sobre ele há tantas que houve quem tenha rogado por sua substituiç­ão na final da Libertador­es, quando errou lance fácil em contra-ataque.

E Jorge Jesus chegou a chamar Lincoln para substituí-lo segundos antes de Arrascaeta achá-lo e ele empatar a final contra o River Plate.

É claro que o treinador desistiu da alteração e três minutos depois o viu fazer o gol da virada, o da vitória, o do bicampeona­to continenta­l.

Porque assim é como a carruagem anda.

Jesus estava correto em querer sacá-lo e graças aos céus não consumou a mudança.

O detalhe, o acaso, o inesperado e suas surpresas.

Quer dizer que não se pode criticar Jesus?

Ora, ao contrário, é dever do crítico fazê-lo, mas daí a crucificá-lo tão perto do Natal é exagero dos sádicos incapazes de simplesmen­te olhar para o jogo e reconhecer os méritos dos vencedores.

Sempre haverá erros no caminho do gol, seja no começo, no meio ou no fim do lance.

Buscar cabelo em ovo também é direito de todos.

O Flamengo não perdeu para o Liverpool porque Jorge Jesus errou ou porque Gabigol falhou.

Perdeu porque o Liverpool é melhor e jogou melhor.

Mas se o Flamengo tivesse vencido pelo mesmo 1 a 0, o herói de fato teria virado o vilão na fita e haveria quem dissesse estar provado que Roberto Firmino não pode jogar na seleção brasileira.

Porque você viu, rara leitora, você viu, raro leitor, os dois gols que o alagoano perdeu?

Coisa de louco!

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