‘Watchmen’ erra ao ignorar imperialismo dos Estados Unidos OPINIÃO
the washington post Alerta: contém spoilers.
Os vietnamitas ocupam um lugar inquieto na imaginação americana desde a guerra do Vietnã. Inicialmente, existiam como crianças que necessitavam de orientação. Os que não queriam essa orientação se tornaram a nova versão do velho medo do “perigo amarelo” que ameaçava o Ocidente.
Nossa presença na cultura pop sempre se apegou a um conjunto de arquétipos —refugiados, bandidos, prostitutas, combatentes do Vietcong e soldados sul-vietnamitas incompetentes ou corruptos.
O universo “Watchmen”, que imagina uma cronologia na qual os Estados Unidos venceram a guerra no Vietnã, aproveita essas figuras típicas. Em uma cena que cita explicitamente “Apocalypse Now”, o filme de 2009 mostrava um gigantesco Dr. Manhattan avultando por sobre a paisagem, disparando raios que despedaçavam soldados vietcong.
Esses momentos feios pretendem claramente invocar a ideia de que a guerra é um inferno, e que a guerra do Vietnã foi um inferno especialmente doloroso, levando os americanos a exibir seu pior lado.
Mas também fazem algo típico de Hollywood: reduzem os vietnamitas a subumanos que existem apenas para morrer.
Por isso, ao decidir assistir à elogiada série da HBO, eu sentia tanto empolgação quanto cautela. A série “Watchmen” estende aquilo que não passava de uma menção no quadrinho original. Depois da guerra, os Estados Unidos fazem do Vietnã o 51º estado do país e ele se torna o local de nascimento da heroína da série, Angela Abar (Regina King), uma policial que é filha de um soldado negro e sua mulher.
A série também apresenta uma personagem vietnamita proeminente, Lady Trieu (Hong Chau), uma cientista trilionária que tem ambições enigmáticas, e sua filha, a precoce Bian (Jolie Hoang-Rappaport). Essa presença representa um avanço substancial para a cultura pop americana: a série traz duas personagens vietnamitas. Com direito a falas! E elas falam inglês fluente!
“Watchmen” recebeu aplausos merecidos por seu foco intenso no racismo como principal mal dos EUA. Os vilões principais da série são terroristas que descendem da Ku Klux Klan. Mas em última análise a série fracassa em seu tratamento da guerra. A descrição bastante circunscrita dos vietnamitas indica uma relutância em encarar o poder imperial dos Estados
Unidos e seu entrelaçamento com a supremacia branca.
O modelo para compreender a interseção dessas forças vem de “Para Além do Vietnã”, um poderoso discurso de Luther King contra a guerra. Nele, King critica a política americana de desviar fundos destinados a aliviar a desigualdade dentro do país para o que ele via como uma guerra racista.
King exigiu que os americanos ouvissem as vozes dos vietnamitas em seu sofrimento, e apelou que saíssem às ruas em protesto. Previu que, se a guerra não fosse detida, os americanos estariam condenados a marchar, marchar e marchar uma vez mais, no futuro.
Compreendeu profeticamente como a supremacia branca e a hostilidade contra os negros se conectavam às guerras externas dos Estados Unidos, passadas, presentes e futuras. É revelador que a maioria dos americanos conheça o discurso “Eu Tenho um Sonho”, de King, sobre a desigualdade racial no país, mas poucos tenham ouvido falar de “Para Além do Vietnã”.
“Watchmen”compreendede forma apenas parcial a importância da guerra. Uma parte especialmente sofisticada da narrativa acompanha a maneira pela qual um terrorista suicida em Saigon deixou Angela, a personagem central, órfã.
A série imagina que, embora alguns vietnamitas estejam felizes por serem americanos, outros vivem furiosos com a ocupação. Que os ocupantes imaginários incluam pessoas não brancas é um reconhecimento do complexo papel que os negros americanos sempre desempenharam dentro dos EUA —um país poderoso em todo o mundo e que necessita de soldados negros, mas também é racista e antinegros.
Watchmen
Disponível na HBO Go