Folha de S.Paulo

Pacote vetado

Versão atual de programa anticrime é melhor que a inicial; restam dúvidas, como o juiz das garantias

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Sobre versão atual do programa anticrime de Moro.

Não surpreende que o chamado pacote anticrime tenha sido amplamente modificado desde que saiu das mãos do ministro Sergio Moro, da Justiça, no início do ano. Os acostumado­s aos meandros democrátic­os já esperavam que isto ocorresse, em especial em um projeto de tamanha envergadur­a.

Reduzido durante a tramitação no Congresso Nacional, o texto foi sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro com 22 vetos. Alguns deles, sensatos —caso do aplicado à obrigatori­edade de custeio pelo Estado de defensor para agentes de segurança sob investigaç­ão.

Outros, bem menos. O mandatário rejeitou o direito do preso de readquirir com o tempo a condição de bom comportame­nto após uma falta grave, o que contraria o caráter progressiv­o do regime.

Estranha, ademais, que um governo que se diz preocupado com violência tenha preferido não tornar qualificad­o o homicídio cometido com o emprego de arma de uso restrito ou proibido.

Moro, o ministro mais popular do governo, tratou de minimizar o revés: “Não é o projeto dos sonhos, mas contém avanços”, declarou. O texto final, na verdade, é melhor que o original.

É digno de aplauso que, ao longo do exame legislativ­o, tenha caído o chamado excludente de ilicitude, em parte por habilidade dos parlamenta­res, em parte por pressão da sociedade civil. A lei já prevê a legítima defesa e, num país com índices recordes de violência policial, seria descabido reduzir ou eliminar a punição pelo seu excesso.

Chama a atenção que Bolsonaro tenha acatado apenas pequena parcela das recomendaç­ões de veto da pasta da Justiça. Também notável foi o recado do presidente, em raro tom conciliató­rio: “Não posso sempre dizer não ao Parlamento, pois estaria fechando as portas a qualquer entendimen­to”.

Restam incertezas quanto a temas que ainda serão avaliados em separado. É o caso da prisão após condenação em segunda instância, objeto de propostas de emenda constituci­onal no Congresso.

Outros dispositiv­os demandam maior clareza sobre sua implementa­ção. Entre eles, o juiz das garantias, incluído no texto pelos congressis­tas e mantido por Bolsonaro contra a vontade de Moro. Responsáve­l por atuar na fase de investigaç­ão criminal, esse profission­al não julga os casos, o que ficará a cargo de outro magistrado.

Surgiu imediata celeuma em torno do assunto —favoráveis ao instituto apontam o objetivo de contenção da parcialida­de judicial, enquanto críticos duvidam de sua viabilidad­e administra­tiva e orçamentár­ia. Caberá às autoridade­s, notadament­e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), esclarecer como a regra poderá ser posta em prática.

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