O saldo de 2019 é positivo?
Sim Rodrigo Maia
Congresso moderou as falhas do Executivo
Não Gleisi Hoffmann
Se foi ruim para o povo, não foi bom para o país
Sim Aos trancos e barrancos
Sociedade se organizou para corrigir ímpetos muito particulares
Rodrigo Maia Deputado federal (DEM-RJ), é presidente da Câmara dos Deputados
A quem está na vida pública não é dado o direito de ser pessimista ou a chance de deixar-se acomodar resignado ante os obstáculos. O ano de 2019 foi muito difícil para o Brasil; 2020 será ainda mais desafiador. Mas há um legado a ser celebrado no período que fica para trás.
Com alguma surpresa, o país descobriu a diferença entre governo e governança. Abriu os olhos também para a necessidade de fazer da ação política um catalisador permanente das forças da sociedade, e não apenas um elixir para animar períodos de campanha eleitoral. Por meio do Parlamento e contando com a moderação sempre bem-vinda do Judiciário, a sociedade se organizou para melhorar, corrigir e às vezes dar novos rumos aos ímpetos reformistas de quem tentou ler o resultado das urnas de 2018 com lentes muito particulares e sob prismas unipessoais.
A Câmara dos Deputados e o Senado Federal encontraram caminhos para melhorar a reforma da Previdência e aprovar um conjunto de mudanças que renovará o ânimo de empresas e de empreendedores ansiosos por investir aqui. Também driblamos os antagonismos daqueles resistentes a um novo marco legal para estimular obras e entregas na área do saneamento básico, ponto nevrálgico de carências para os brasileiros. A partir do próximo ano deveremos comemorar avanços reais na coleta e tratamento de esgotos e no abastecimento de água potável —isso se converterá em redução da mortalidade infantil e de doenças endêmicas nos municípios de todo o território nacional.
Ao desempenhar o papel de moderador do ativismo legal de um governo que nem sempre escutou de forma ampla as diferentes vozes da sociedade num Brasil que é mosaico de culturas, de religiões, de credos, de etnias e de gêneros, o Congresso Nacional congelou (e também refreou) a tensão provocada por uma pauta conservadora na área dos costumes.
A coragem dos líderes no Parlamento, que tomaram a frente da resistência a um processo fadado a destruir pontes de diálogo historicamente construídas por organizações e entidades da sociedade civil, tem de ser enxergada como legado positivo de 2019.
Se fomos duros na pauta de costumes para conservar a vocação pluralista do nosso povo, soubemos ser proativos na fiscalização e no combate à degeneração dos indicadores de conservação da natureza e de preservação do meio ambiente. O governo tem falhado no desempenho de seu papel de uso da força para coagir agressores do patrimônio mundial que são a Amazônia e o Pantanal —e também as nações indígenas, que compartilham conosco o território nacional. Nós, congressistas, estabelecemos conexão direta com entidades e organismos internacionais cujo mister é justamente fiscalizar e denunciar agressões a fim de reprimir agressores. Usamos instrumentos legitimados pela diplomacia e pelas relações econômicas.
Perseverar nesse aprendizado e usar as mesmas ferramentas para conter retrocessos na área da cultura é nossa missão em 2020.
A atual legislatura foi a que mais rejeitou medidas provisórias baixadas pelo Poder Executivo. Assistir ao Parlamento impor limites a governantes é, sem dúvida, um aspecto a ser saudado. Diferentemente do reducionismo analítico a que muitos cederam, lendo a insurgência de um “parlamentarismo branco”, temos na verdade um Legislativo desempenhando suas atribuições constitucionais.
O aprendizado adquirido nesses embates não deixa dúvidas: o saldo de 2019 é positivo. Avançamos, aos trancos e barrancos —como lá atrás Darcy Ribeiro diagnosticara que faríamos.
Não Um ano de retrocessos
Se foi ruim para o povo, não foi bom para o país
Gleisi Hoffmann Deputada federal (PT-PR), presidenta nacional do PT, ex-senadora (fev. a jun.2011 e fev.2014 a jan.2019) e ex-ministra-chefe da Casa Civil (2011-2014, governo Dilma)
Torço pelo Brasil. Minha militância política, assim como a trajetória do PT, foi sempre dedicada a melhorar a vida do povo brasileiro. Por isso afirmamos que 2019 não foi bom para o Brasil, porque foi ruim para seu povo.
A vida da imensa maioria piorou sob o governo da extrema-direita e sua agenda econômica neoliberal, que só é exequível impondo limites e retrocessos à democracia. O país andou para trás na renda do povo, na saúde, na educação, na defesa do meio ambiente, na liberdade.
Nada se fez para conter o agravamento da desigualdade num país que já concentra 28,3% da renda total nas mãos de 1% da população, a mais indecente taxa do mundo junto com o Qatar, segundo a ONU. São esses que festejam uma “retomada” econômica de fundamentos frágeis e imperceptível para a maioria. No Brasil real de 2019, a renda dos mais pobres caiu, a dos mais ricos subiu e a inflação aumentou mais para o pobre que para o rico, de acordo com o Ipea.
O desemprego ficou nas alturas, e quase 90% das ocupações criadas são informais, segundo o IBGE. A taxa de trabalhadores sem registro, sem direitos e proteção social já ultrapassa 40% —sem falar dos desalentados que nem ocupação têm. São estes que sofrem com o aumento dos combustíveis e do gás de cozinha; e do abusivo preço da carne, que contamina o de todos os alimentos.
Falamos de 89,6% da população com renda domiciliar per capita de até um salário mínimo. É sobre ela que recai o fim do reajuste real do salário e a cruel taxação do seguro-desemprego. E recairá a reforma injusta da Previdência que penaliza os trabalhadores e mantém privilégios.
Não pode ser considerado bom para o país um ano em que a educação foi declarada inimiga pelo governo. Um ano em que a população perdeu os médicos cubanos, a Farmácia Popular, 10 mil vagas de agentes de saúde e termina com o anúncio de uma inédita redução nas verbas do SUS. Com um corte de R$ 2 bilhões no Bolsa Família,
que não vai repor a inflação nem pagará o prometido 13º mês.
Como considerar positivo um ano em que a fome voltou a flagelar o país?
Não foi bom um ano em que o desmatamento aumentou 83%, com incentivo de um governo que dilapidou nossa imagem junto aos ambientalistas e à comunidade internacional. Em que posse, porte e uso de armas foram estimulados criminosamente; líderes indígenas e sindicalistas foram assassinados; professores e artistas, perseguidos; e mulheres, pessoas negras e LGBTs sofreram violência. No centro desses retrocessos está a imposição de um modelo concentrador de riqueza e renda, excludente por princípio e que propõe o desmonte do Estado —não só por meio da privatização selvagem de empresas como a Petrobras e riquezas como o pré-sal, mas pela destruição dos instrumentos de construção da soberania nacional, como os bancos públicos e o fomento à ciência e tecnologia.
Assusta, particularmente, o papel do Congresso Nacional, em especial da Câmara dos Deputados, como fiadora da implantação desse modelo que não deu certo em nenhuma democracia. O ano de 2019 teria sido melhor, certamente, se as instituições como um todo tivessem reagido à deliberada destruição do país e das forças produtivas, que favorece os bancos e interesses estranhos ao Brasil, mas compromete o presente e o futuro de gerações.
Além de continuar torcendo pelo Brasil, queremos que 2020 seja o ano da reconstrução da esperança, com a anulação da sentença injusta contra Lula e a retomada plena da democracia.
Que seja um ano bom para o povo. É isso o que verdadeiramente importa.